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18 setembro, 2023

Os Morcegos

   Ele estava lá, imóvel; apenas observava o revoar dos morcegos, que cortavam velozes o ar ao seu redor. Era uma imagem curiosa de se observar, ele parado ali e todos aqueles morcegos indo e vindo, frenéticos, sorvendo o que restara nos bebedouros dos beija-flores.

   O que passava por sua mente naquele instante era difícil de se saber. Ele jamais fora um homem previsível; encontrá-lo ali, em meio ao voo dos morcegos era ótimo exemplo de sua imprevisibilidade.

   Até que, em determinado momento, balançou o corpo, deu meia-volta e retornou para dentro de casa, sem nada dizer e fechando a porta atrás de si.

   Depois desse dia percebia-se a repetição do mesmo costume, vez ou outra, mas sempre da mesma forma, sem dizer palavra; apenas à observar o voo dos morcegos.

   Alguns anos depois, soube-se que ele falecera de forma natural, levando consigo a razão de porque desenvolvera esse costume de observar os morcegos. Talvez gostasse das criaturinhas noturnas. Mas a verdade é que o real motivo para todo o sempre será um mistério.

16 maio, 2022

Do Desânimo do Escritor

 Eu estava me sentindo desanimado para escrever, quando percebi que essa sensação, essa predisposição, tem sido promovido pelo meio editorial brasileiro. É triste como a coisa funciona de forma absurda e como uma rua sem saída - não aceitam receber seu manuscrito e mandam você arrumar um agente literário, que por sua parte, não quer te agenciar, porque você não é um escritor renomado, então nem se dá ao trabalho de ler o material para ver se é bom e merece ser defendido; ou mercado que te absorve de forma supostamente benevolente, com o tempo revela-se de forma friamente desonesta. Daí, resolvi que não deixaria essa latrina toda influenciar na minha pena ou minha vontade de trabalhar as letras e minhas histórias. Minha escrita é mais do que arte; é clara resistência. Mas, então, Arte, entre outras coisas, não é óbvia resistência a aceitar apenas a realidade insensível e formatada (muitas vezes desumana e violenta!)? Então, não estou fazendo nada do que já não fazia, apenas que com mais consciência, determinação e autenticidade.

13 julho, 2021

A Manhã Fria

 O caminhar inexorável dos anos tem se revelado um peso e um alívio. Enquanto a cada passo na areia exige-se maior esforço para puxar o pé no intento de um novo passo, mais o coração se liberta dos convencionalismos sociais escravizantes de uma vida ordinária em meio à sociedade.

A luz ofuscante do sol da manhã fere levemente os olhos ainda acostumados à noite de sono, mas o dia não se importa e precisa seguir em frente, independente de nossa vontade, de nossas ideias. Enquanto os pássaros cantam uma alegria que não é a minha e ainda me falta explicação sensata, vou atravessando lentamente o jardim e buscando contraditoriamente o calor do sol, o mesmo que me fere os olhos, nesta manhã fria de inverno.

O passado teimosamente insiste em me visitar, mas não tenho pensamentos para ele agora e prefiro as trivialidades mais ao alcance do tempo presente, apesar de aparentemente sem atrativos que me seduzam, a não ser pela necessidade do calor solar.

O céu está absurda e profundamente azul e promete um calor que o dia não poderá certamente cumprir; o inverno impõe sua hegemonia de direito e, aceitemos ou não, é o que há para vivenciar, independente de nossa revolta raquítica e insuficiente. Mas eu gosto do inverno. Ele não é o portador de falsas promessas de supostas delícias, como o verão que anuncia um tempo de alegria, enquanto sufocamos e esvaímo-nos em insuportáveis quarenta e cinco graus de loucura torturante. O inverno me ajuda a lembrar que somos fortes, mas nem tanto e, por isso mesmo, somos mais humanos e menos pretenciosos.

Olho para o fundo limoso da piscina, que pede por uma limpeza que não virá tão cedo. Algumas folhas boiam e outras jazem na profundidade, um vislumbre metafórico quase piegas da morte, que já não me assusta há muitos anos. Sua força é um mito alimentado pelo medo dos ignorantes e covardes. Apesar de reconhecer minha covardia óbvia e denúncia de minha lamentável fraqueza, da morte só reconheço uma passagem necessária, enquanto os idiotas esperam medrosa e contraditoriamente a resolução de tudo.

Sento na cadeira de praia e, como a carne morta numa grelha, me exponho ao calor quase sutil dessa manhã sem sentido e dispensável, não fosse a impossibilidade de recusar o dia que se há de viver, independente de minha vontade desimportante.

O tempo consome as horas lentamente, enquanto o sol sorrateiramente aumenta sua fome sobre mim, aproveitando-se de minha ânsia por calor; um estratagema que esconde em suas camadas sutis, os furtivos limites entre vida e morte. E não fosse o reclame do corpo diante do inevitável desconforto que beira o exagero, o tênue limite se tornaria o arauto evidente do ocaso humano, a despedida silenciosa, o final da comédia.

Mas sigo ao sol, enquanto me entrego a um dos poucos prazeres que me restam, que seja os poucos minutos de calor nesta manhã fria, antes que o desconforto me leve a praguejar aquele que antes me ofertava prazer.

02 setembro, 2020

Natureza Humana

O passarinho estava pousado no galho e não viu mais do que uma sombra furtiva, enquanto o próprio suspiro fora interrompido antes de tudo escurecer e a vida fechar-se definitivamente entre os dentes do gato. Deixara de ser um passarinho para tornar-se refeição.

Eu observava de longe e, entre maravilhado e indignado, vi como, de uma consecução de saltos instintivamente calculados, o gato chegou até o gramado do jardim e passou a saborear a liberdade perdida entre os dentes. Mas isso não durou muito, pois, inesperadamente, um flash de cores passou rasante sobre o jardim, arrastando o gato às alturas em meio a um miado desesperado, que logo se distanciou nas garras de uma águia enorme.

Aqui fiquei absolutamente surpreso com a consecução de fatos inusitados, ainda tentando absorver a grandiosidade de tudo aquilo que acabara de acontecer diante de meus olhos. Era a natureza em sua mais simples representação de equilíbrio de forças e compensações, que ao olhos humanos poderia repercutir facilmente, como resultado de um impulso emocional natural de nossa consciência julgadora, impiedoso. Perfeitamente compreensível, pois criamos nossos próprios códigos de conduta, enquanto isolávamos os próprios códigos naturais, sobre o rótulo de selvagens. No entanto, nós próprios temos, através de nosso supervalorizado código de conduta, o exemplo de selvageria adequadamente ajustado aos desequilíbrios próprios de nossa imperfectibilidade, a qual tentando fingir não existir, para que assim possamos continuar posando como o auge da vida, a evolução suprema sobre todo o reino natural, da qual gostamos de sentirmo-nos apartados, tal qual seres especiais e que, portanto, podem dispor da indiferença. Mas quem somos nós, senão seres inteligentemente arrogantes? Nossa selvageria é menos selvagem do que a produzida pela própria natureza? A natureza tem o álibi, como se isso tivesse qualquer importância para ela e que a mesma necessitasse de justificativas para ser o que é, em toda sua magnanimidade; ela usa da selvageria como simples satisfação de necessidades reais, de acordo com o mantenimento da própria vida de seus seres, entre fracos, fortes, espertos etc. Enquanto isso, qual nossa justificativa, que valeria realmente uma significação real para nossa selvageria calculada e cheia de interesses escusos, onde em último caso, o mantenimento da vida seria a razão, no entanto, o alimento desta selvageria humana tem apenas por alimento a adicção pelo excesso, a não satisfação com o que apenas e justamente é o suficiente. Portanto, quem é o verdadeiro selvagem? A mínima noção de sensatez nos aponta sem dúvidas a nós próprios e a nossas razões sem razão.

O passarinho, o gato, a águia… meros atores de um quadro em constante movimento que denominamos vida, mas a qual, queiramos ou não, pertencemos, mesmo sem nos identificarmos plenamente, por nosso erro de avaliação, por nossa presunção e teimosia em tentar reinventar a vida, quando ela mesma está pronta e sem precisar de retoques. Talvez precisemos reaprender e, com isso, talvez a tornemos mais justa, desde que eliminemos nossas supostas interpretações de nós próprios, da vida e, consequentemente, de nossas relações com o real.

26 julho, 2020

A Verdadeira História de LILO & STICH

Se você quer manter a linda história da Disney em sua mente, não leia este texto, pois pode mudar para sempre a bela imagem de Lilo e Stich que você tem na lembrança.

Muitos viram o lindo filme da Disney, que é sobre as aventuras de Lilo, uma garota havaiana de 5 anos que encontra um experimento alienígena e se torna sua melhor amiga. Mas nada disso é a realidade. Vamos à história que contam em determinada região do Hawaii. 

Lilo era uma garota que ficou órfã, pois seus pais morreram quando foram esmagados por uma grande árvore que caiu sobre sua casa, como resultado de uma horrível tempestade. Lilo foi colocada pelas autoridades em um orfanato, mas acabou fugindo e indo viver nas ruínas de sua antiga casa, alimentando-se das esmolas que pedia aos habitantes da ilha. 

Stich

Obviamente, Stich não era um alienígena, mas,  na verdade, um filhote de cachorro que Lilo encontrou em um depósito de lixo; ele se tornou sua única e inseparável companhia, seu confidente, seu amigo.

Lilo nunca teve uma irmã, como mostra o filme; era tudo um produto de sua imaginação, de sua necessidade de fugir da dura realidade. Não raras vezes, Lilo e Stich se sentavam em frente à praia para sonhar acordada e imaginar que tinha uma irmã, amigos e grandes aventuras.

Nove anos se passaram. Lilo estava crescendo, já tinha 14 anos, mas ainda estava apaixonada por seu mundo e suas aventuras imaginárias, ao lado de seu cão inseparável. Como a dificuldade em lidar com a realidade aumentava dolorosamente cada vez mais, Lilo acabou se envolvendo com drogas e, para poder manter seu mundo ilusório e escapar dos sofrimentos de um mundo duro ao qual fora jogada pelo destino, começou a se prostituir para ganhar dinheiro e poder comprar as drogas que lhe facilitavam voltar a seu mundo onírico.

A história de Lilo e Stich foi compilada pela Disney, baseada nas histórias contadas pela própria Lilo às equipes médicas, nas várias tentativas realizadas de ser internada numa clínica de reabilitação, mas que ela sempre recusava. Ela contou sobre seu mundo e suas aventuras ao lado de seu amigo Stich e como ela estava feliz em escapar da realidade. 

Lilo estava cada vez mais mergulhada em seu mundo químico/imaginário e, tempos depois, como uma triste consequência, Lilo acabou sendo encontrada morta nas ruínas de sua casa, como resultado de uma overdose. Seu corpo foi encontrado por vizinhos incomodados pelo cheiro nauseante de podridão que se espalhava pela vizinhança. Seu cão inseparável não a deixou sozinha em nenhum momento. 

Stich jamais se separou de sua dona, mesmo depois que essa faleceu e foi enterrada num cemitério. Conhecedoras da história, pessoas levavam alimentos para Stich, que jamais sequer os tocou. Profundamente triste, Stich definhou até a morte sobre o túmulo de Lilo e, finalmente, pode novamente ficar com sua dona.

A Disney, como sempre, conseguiu transformar uma tragédia em um belo conto áudio-visual, que fascina adultos e crianças até hoje.

19 novembro, 2019

Primeiras Linhas de um Aviso Inicial

Eu poderia discursar sobre as razões que me trazem aqui e dar inúmeros motivos idiotas para te convencer, mas isso realmente não é importante. O fato é que estou aqui, nesta posição um pouco incômoda, mas que já foi muito mais incômoda do que agora, porque eu simplesmente parei de me preocupar tanto. Percebi, enfim, que fatos são fatos e de nada adianta ficar me preocupando em demasia quanto ao que está acontecendo e ao que pode acontecer no futuro; um futuro que é uma quimera, até que o presente se movimente em alguma direção.

Cheguei aqui por 'acaso' - se é que isso existe - há dois anos. Estranhamente, fui abordado numa lanchonete. Fui pego de surpresa com a proposta e com a escolha do local onde vieram fazê-la, mas depois compreendi a necessidade de um local público; uma boa forma de evitar uma reação indesejada de minha parte.

Eles chegaram e me 'convidaram' a fazer parte de um projeto governamental sigiloso, mas que, até então, não poderiam revelar. É óbvio que achei estranho e até mesmo ri da proposta, mas depois tive que enfiar minha viola no saco, porque os sujeitos estavam mesmo falando a verdade e o tal projeto realmente existia. 

Eles me conheciam muito bem. Não só desfilaram todo meu currículo acadêmico, como também meus costumes diários, o que me deixou bem assustado, pois disseram coisas que somente eu sabia, coisas como: que lado da boca eu escovo os dentes primeiro. Parece ridículo, eu sei, mas era este tipo de meticulosidade de conhecimentos que eles tinham a meu respeito. Já estavam me observando faz tempo, pensando em 'recrutar-me' para o trabalho que faço hoje.

Por que resolvi falar sobre isso abertamente? Bem, estou doente e sem chance de cura. Não que ela, a cura, não exista, ela existe, mas vários eventos me trouxeram à posição em que estou agora e, digamos, essa doença foi resultado de algumas desavenças e desagrados, que nasceram e culminaram a partir do momento em que resolvi discordar de certos 'valores'. A cura? Bem, está exatamente em poder de quem não é muito simpático às minhas opiniões. Como não há muita esperança de que me façam uma bondade, resolvi golpear fundo, expondo o que sei, ou pelo menos, parte considerável do que sei a respeito do que andam fazendo, já há muitos anos e pelas costas de gente como você. O assunto é delicado e merece um cuidado especial com as palavras, para que não pareça uma coisa de maluco, muito embora isso acabe acontecendo de alguma forma, pelo menos no início do relato.

Bom, vamos deixar de enrolação e passar logo aos fatos que me trouxeram até este momento derradeiro de minha vida, mas que - quem sabe? - não pode ser um divisor de águas na política de acobertamento de segredos tão assustadoramente importantes para o futuro da humanidade, tirando-a deste obscuro abismo que 'eles' cismam em manter a todos. Está na hora de todos saberem o que está acontecendo e, talvez, tomar as rédeas desta loucura. Mas nunca é demais deixar de salientar que esta mudança não virá pacificamente e, sangue e vidas se perderão em meio a esta reviravolta, que só pessoas como você podem pôr em marcha, para seu próprio bem e de toda a humanidade neste planeta.

09 outubro, 2019

A História Original de A PEQUENA SEREIA


A versão de A Pequena Sereia que todos nós conhecemos tem um final muito feliz. Ela foi adaptada pelos estúdios Disney em 1985 e conta a história de amor entre a sereia Ariel e o príncipe Eric, terminando com os dois vivendo felizes para sempre. No entanto, o conto original, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, não termina nada bem para a jovem sereia. Segundo se afirma, o autor escrevera a história baseado no amor não correspondido por outro homem.

A Verdadeira Origem do Conto

Na história criada por Andersen, a sereia salva o príncipe de um afogamento e acaba se apaixonando por ele. No entanto, sua natureza de sereia os impede de viverem juntos e felizes. Então, ela recorre à bruxa do mar, que lhe concede pernas e em troca recebe sua bela voz como pagamento. No entanto, o encantamento tem um porém: caso não seja correspondida, ela morreria dissolvendo-se na água do mar até desaparecer completamente. Dito e feito! O final acaba sendo inesperadamente trágico, pois o príncipe escolhe se casar com outra princesa. Com o coração partido, a pequena sereia vê seu destino ser tragicamente selado. 

Em 1837, quando da criação da história e da personagem, Andersen buscava representar seu fracasso na conquista de um heterossexual chamado Edvard Collin. Os biógrafos de Andersen afirmam que ele era bissexual e, totalmente arrasado, após seu amado decidir se casar com uma mulher, decidiu escrever o conto, como um recado para o amigo.

Um uma carta que escreveu para Collin, dizia: "A feminilidade da minha natureza e a nossa amizade devem permanecer um mistério". Mas, infelizmente, não era correspondido. O próprio Collin escrevera em suas memórias: "Eu me encontrei incapaz de responder a esse amor, e isso causou muito sofrimento ao autor".

Andersen parecia ansiar por fazer parte do mundo de Collin, da mesma forma que sua personagem.  O crítico de história literária e cultural Rictor Norton e autor de Meu Querido Garoto: Cartas de amor gays ao longo dos séculos, afirmou: “no conto de fadas escrito para Collin, Andersen se apresenta como o forasteiro sexual que perdeu seu príncipe para outro”.

No entanto, Andersen teve diversos reveses amorosos, onde teria se apaixonado por muitas mulheres que considerava inatingíveis e, segundo registros pessoais, sua vida sexual não era nada ativa. Talvez, seus outros contos também revelem seus conflitos de amor.

A Verdadeira História de CINDERELA

Muitos estão familiarizados com a narrativa apresentada nos filmes da Disney, no entanto, a história da princesa do sapatinho de cristal tem registros de 860 anos a.C e tratam de assuntos trágicos.


Por Fábio Previdelli 

A história da Cinderela é um conto popular que se tornou famoso no mundo todo devido ao grande sucesso que teve após adaptações feitas pela Disney. No entanto, a animação de 1950 e o live action de 2015 contam uma história muito mais amena e social do que suas versões primitivas, que tratam de assuntos como assassinatos e mutilação.

A alternativa mais antiga que se tem registro é a narrativa chinesa de Ye Xian, datada do ano 860 a.C. Além dela, outras que se tornaram mais conhecidas são a apresentada pelos Irmãos Grimm e por Giambattista Basile.

Confira abaixo alguma das versões mais antigas e mais sangrentas da princesa do sapatinho de cristal.

Rhodopis

A versão oral mais antiga que se tem conhecimento na Europa é a história grega de Rhodopis, uma cortesã grega que viveu na colônia de Naucratis, Egito. A história foi registrada pela primeira vez pelo geógrafo e filósofo grego Estrabão.

Segundo o conto, uma águia pegou um par de sandálias de uma empregada e as levou até Mênfis, no Egito. Chegando lá, o animal soltou o calçado no colo de um rei, que ficou extasiado tanto pela bela forma das sandálias quanto pela estranheza da ocorrência. Assim, enviou seus homens em todas as direções do país em busca da dona do calçado. Quando ela foi encontrada, o rei se casou com ela.

La Fresne

Essa versão do século 12 d.C, escrita por Maria da França, narra a história de uma mulher nobre que abandona uma de suas filhas recém-nascidas. A motivação do desamparo se dá pela crença da época que dizia que uma mulher que engravidava de gêmeos seria infiel, já que eles seriam oriundos de pais diferentes.

Sendo assim, ela deixa uma de suas filhas do lado de fora de uma abadia. O bebê é encontrado por um porteiro que a entrega a uma gentil abadessa. A menina recebe o apelido de Le Fresne e, quando adulta, se apaixona por um nobre cavaleiro.

A união é vista como impossível, já que ele tem que manter uma relação com alguém da nobreza e se casar com uma qualquer significaria o fim de sua linhagem. O nobre acaba sendo convencido a se casar com outra mulher, que, por ventura, é a irmã gêmea de Le Fresne. A ligação das duas é revelada no dia do matrimônio, que é interrompido para que ele se case com quem realmente ama.

Ye Xian

A versão asiática é datada por volta de 860 a.C. Nela, Ye Xian é filha de um líder tribal local que morreu quando ela ainda era muito jovem. Como sua mãe faleceu ainda mais cedo, seu pai acabou se casando com outra mulher, a qual ficou incumbida de cuidar de Ye Xian. Porém, ela é constantemente abusada e só encontra paz quando faz amizade com um peixe, que é a reencarnação de sua mãe.

Sua madrasta e sua meia-irmã matam o animal, mas Ye Xian salva os ossos do bicho, do qual ela descobre que são mágicos. Assim, ele a ajuda a se vestir adequadamente para um festival local. Calçando um sapato dourado, ela é reconhecida por sua família adotiva, que a expulsa do festival.

No meio da confusão ela perde seu calçado, que é encontrado por um rei de uma ilha marítima. Ao procurar a dona do sapato, ele chega à casa de Ye Xiang e se apaixona por ela. Assim, o monarca a resgata de sua cruel madrasta e os dois se casam.     

A versão dos Irmãos Grimm e outras histórias sangrentas

Apesar das versões apresentadas serem muito semelhantes com aquelas que estamos acostumados a ouvir. Outras interpretações do conto são muito mais macabras e assustadoras. Um exemplo é a contada pelos Irmãos Grimm. Para eles, a história de Cinderela era muito mais sangrenta.

Nela, a gata borralheira plantou uma aveleira no túmulo da mãe e a regou com lágrimas. Na árvore morava um pássaro, que a cobriu de ouro para três dias de baile. No terceiro dia, o príncipe pegou o sapatinho da desconhecida.

Na hora de experimentar nas donzelas do reino, uma irmã de Cinderela cortou o dedo do pé e a outra o calcanhar. Claro, o sapatinho só serviu na dona. E, no dia do casamento, duas pombas perfuraram os olhos das irmãs.

Pode até parecer assustador, mas essa não é a única narrativa com um final escabroso. Em uma das histórias, a moça vira empregada para fugir do assédio sexual do pai. Em outra, a madrasta, tentando matar a enteada, joga uma de suas filhas na fogueira. Numa terceira, a madrasta deixa Cinderela sem comer, numa época em que a fome rondava as aldeias.

Há outra, registrada por Giambattista Basile na coletânea Pentameron, do início do século 17, em que o pai de Cinderela casa-se com uma mulher que a trata mal, quando ela queria que ele se casasse com a governanta. Cinderela, então, assassina a madrasta.


08 outubro, 2019

O Ilustre Desconhecido

O Rio de Janeiro é uma cidade bastante cosmopolita. Gente de todo lugar vem passar férias aqui, acaba se apaixonando e ficando de vez. A cidade é realmente bonita, mais por sua natureza e proximidade entre montanha, floresta e mar.

Como toda cidade grande, o Rio também tem seus problemas, mas nós cariocas e algumas pessoas de fora que vieram morar aqui, logo aprendemos a lidar com estes contratempos de forma muito peculiar.

Meu nome é Alexander Zimmer. Sou escritor, ator e cineasta. Também sou entusiasta de assuntos pouco ortodoxos e considerados por alguns, no mínimo, duvidosos. Mas sou da opinião de que não se deve bater o martelo em relação a algo que não tenha sido analisado profundamente. Como diz o velho ditado: onde há fumaça, há fogo.

Partindo deste princípio, nunca fui uma pessoa de aceitar “achismos” de ninguém. Sempre que algum assunto desperta minha atenção, procuro saber um pouco mais e acabo por mergulhar fundo na questão.

Possuo uma biblioteca extensa sobre assuntos dos mais diversos, sobretudo, relacionados ao sobrenatural, arqueologia proibida, ufologia e… extraterrestres. Digo biblioteca, mas nisso também estão incluídos filmes, vídeos e recortes. Tenho mesmo muito material relacionado e, muitos deles, verdadeiras raridades; alguns garimpados a muito custo e outros, resultado de incursões e experiências pessoais.

Não preciso me estender muito sobre mim. Não sou a parte importante deste livro e até a presente data em que o escrevo, sou autor de dois outros romances: “A Maldição da Lua” e “Anne Blind entre Luz e Trevas”, o primeiro lançado pela extinta Editora Faces e o segundo lançado pela Editora Viseu. Porém, aqui faço apenas o papel de repórter. Na verdade, nem fui atrás do assunto em questão; ele veio atrás de mim – de certa forma. Bom, vamos por partes. Prometo que vou tentar sintetizar o máximo possível, para que a leitura não se torne enfadonha e redundante.

Apesar de não ser um investigador profissional e nem um ufólogo de verdade, sempre me interessei pelo assunto, a ponto de ir a simpósios e editar um blog, cujo conteúdo versa sobre diversos assuntos não muito ventilados pela mídia dita “oficial”, mas, sobretudo, a respeito do fenômeno UFO e de extraterrestres. O nome do blog é Filosofia Imortal (FI). O FI tem, atualmente, pouco mais de duas mil visitas por dia, de diversas partes do mundo. Mesmo no blog, procuro não emitir uma opinião definitiva sobre nada. Antes, deixo sempre a discussão em aberto, de forma que o leitor possa sempre tirar suas próprias conclusões, servindo também como incentivo para que o mesmo procure pesquisar mais sobre os assuntos de seu interesse. 

O blog funciona mais como um aglutinador de várias informações garimpadas na Internet, facilitando assim que o leitor consiga acessar tudo que possa interessar de forma rápida e com o frescor das constantes atualizações. E foi através do FI, que um dia recebi um e-mail, cujo autor se deixava conhecer apenas pelo nome de Hamilton e que reproduzo abaixo:

Sr. Editor
Antes de mais nada, gostaria de pedir sua atenção por alguns minutos.
Adquiri seu romance A Maldição da Lua e sou leitor assíduo de seu blog, não porque seja um grande entusiasta dos assuntos ali postados, mas porque um determinado tema tem muito a ver com minha experiência de vida.
Vivi muitas coisas em meus 45 anos de vida e gostaria que esta vivência não ficasse perdida. Inclusive, não é apenas de minha opinião que a história que gostaria que ficasse apenas guardada em minha lembrança, deva ser compartilhada com o público. Por isso escolhi entrar em contato com o senhor, de forma que pudéssemos conversar sobre o assunto e que tivéssemos a oportunidade de saber se seria de seu interesse, escrever um livro sobre tudo que tenho para contar. Caso não se interesse em absoluto pela minha história, compreenderei perfeitamente sua recusa, sem quaisquer ressentimentos. Reconheço mesmo, que o assunto pode ser, por demais, polêmico e não seria o senhor, creio eu, o único a recuar diante de minha proposta. Atitude que consideraria bem natural.
Obviamente, que não podemos falar sobre o assunto através de correio eletrônico, por isso, coloco-me a sua inteira disposição para um encontro, em local e horário de sua escolha. Peço apenas, que seja um local onde possamos conversar sobre assunto sério, sem sermos importunados por “curiosos”, apesar de local público, para que o senhor se sinta seguro.
Sendo assim, deixo meu telefone de contato. Ou se preferir, pode responder-me pelo próprio correio eletrônico.
Grato.
Hamilton


Obviamente que fiquei extremamente curioso com o e-mail do tal Sr. Hamilton. Mas ao mesmo tempo, fiquei com o pé atrás. Apesar de o texto ser respeitoso e até cuidadosamente escrito, deixando transparecer uma pessoa culta, confesso que não sabia se podia confiar em algo assim. No entanto, sendo uma história realmente especial, como o Sr. Hamilton prometia, não aceitar seria desperdiçar talvez uma boa história. Mais tarde, percebi que era muito mais do que uma boa história… muito mais do que isso. Graças a Deus não recusei.

Apesar da vontade de responder a mensagem por e-mail, fiquei reticente. A insegurança comum de saber se deveria dar atenção e levar a frente algo que poderia vir da mente de algum maluco. Vai que o cara é um psicótico ou coisa pior? Mas também, se eu não arriscasse, nunca saberia de fato o que estaria, por acaso, perdendo. Além do mais, ele mesmo sugerira que nos encontrássemos num local público.

Peguei o telefone, olhei para as teclas durante algum tempo e, num ímpeto, disquei os números. O telefone tocou quatro vezes, antes que alguém atendesse. Uma voz rouca, mas, ao mesmo tempo, jovial, sem perder em seriedade, respondeu. Identifiquei-me e logo começamos um papo mais descontraído, falando sobre o blog e diversos assuntos, antes de finalmente entramos no assunto em questão e que deveria levar a um possível livro. Como o papo era por telefone, não nos estendemos muito, por questões obvias. Então, marcamos um encontro no dia seguinte, uma sexta-feira, no restaurante Amarelinho, no bairro da Cinelândia, centro do Rio, às quinze horas, de forma que não pegaríamos o horário de almoço e nem a hora do rush, em que todo mundo sai de seus empregos e lotam tradicionalmente os bares, para um chopinho antes de ir para casa.

Cheguei meia-hora antes, de forma que pudesse estar atento e ver a chegada do ilustre desconhecido e, de repente, perceber algo de estranho ou não, de forma a me precaver e saber se não me metera numa furada. Péssima ideia! O que consegui foi ficar quase neurótico, a medida que o tempo passava e se aproximava a hora de encontrar com o ilustre desconhecido de nome Hamilton. A única coisa que sabia sobre ele era seu nome. Acabei por não perguntar nada sobre sua aparência quando falamos ao telefone, então, de qualquer forma, seria uma incógnita até que ele se apresentasse ao chegar. Ele estava na vantagem, pois sou uma pessoa pública, fácil de reconhecer por fotos na Internet.

O tempo passou lentamente, como a querer me deixar cada vez mais entre ansioso e descrente de que aquilo pudesse render uma boa história de fato. Provavelmente seria mais um maluco que contaria uma história besta sobre discos voadores e extraterrestres, sem o menor embasamento e cheia de absurdos, que qualquer pessoa com o mínimo de sensatez recusaria de cara.

O relógio marcou quinze horas e um homem de cabelos castanho-claros acenou para mim do outro lado, vindo da direção do prédio da Biblioteca Nacional. Vestia-se de forma simples. Uma calça jeans, uma camisa italiana e tênis. Quando se aproximou da mesa, levantei-me e, cumprimentando-o, ofereci a outra cadeira, para que sentasse. 

Tinha um olhar calmo, porém que transmitia uma confiança e energia e que dava a clara impressão de que aquele homem, além de ter um bom coração, realmente possuía algo importante para contar. Não sei bem como explicar essa sensação, apenas estou descrevendo o que senti.

– Pois então, Hamilton. Você me disse que tinha uma história e gostaria de compartilhar com o público através de um livro escrito por mim.
– Isso mesmo, Alex. Você se incomoda que eu te chame de Alex?
– Absolutamente. Fique à vontade. Mas… por que não publica-la no blog?
– Isso até poderia ser feito, mas acredito que um livro é uma forma mais segura e concreta de divulgar tudo quanto tenho para lhe contar. Até porque a história é grande e cheia de detalhes, o que por si só já seria motivo para um livro, creio eu.
– Tá. Mas por que eu? Por que não outro autor?

Hamilton suspirou fundo e deu um sorriso enigmático, que até então me pareceu indecifrável.

 –Bem, você escreve muito bem e seu interesse pelo assunto demonstra uma imparcialidade. Você não puxa a brasa para a sardinha de ninguém. Isso nos agrada.
– Nos? O que você quer dizer com isso? Tem mais gente envolvida?
– Bom, tudo a seu tempo. Se eu adiantasse tudo agora, neste primeiro encontro, creio que teria que resumir demais e o assunto, se me permite, tem importância demais para ser resumido; coisas essenciais se perderiam. Portanto, peço sua paciência para que eu possa falar de tudo conforme acredito que deva ser contado.

Fiquei curioso com tudo que se passava. Não só a forma como ele falava, mas o quanto seu discurso era conciso. A verdade era que eu ficava cada vez mais interessado e curioso. Apesar de tudo, Hamilton era muito natural e tranquilo; uma tranquilidade de certa forma contagiante.

Alguma coisa me dizia que ele tinha realmente uma grande história e essa história, possivelmente mexera e muito com o ser humano que ele era. O fato é que ele era diferente de todas as pessoas que eu já conhecera na vida. Cheguei a questionar se eu não estava fantasiando isso, mas era evidente demais essa sua diferença, para que eu pudesse ignorá-la. Era algo bom. Definitivamente, bom! Muito embora eu não pudesse identificar especificamente o que era diferente!

– Veja bem. O que irei te contar não é apenas mais uma história. Se me permite dizer, é “A história”. Tudo pelo que passei mudou e muito minha própria vida, a forma como vejo o mundo e, consequentemente, como vejo o universo.
– O universo? Um pouco forte isso, não?
– Bastante. E não há nada de exagero. É a mais pura verdade. Bem… como gostaria que eu começasse? Talvez seja melhor começar bem do comecinho, não?
– Ora… Como você quiser, Hamilton. Eu to aqui para te escutar mesmo. Posso gravar tudo o que você vai dizer? Seria mais fácil para transcrever no computador, quando eu chegar em casa.
– Fique à vontade, Alex. É melhor mesmo que grave, pois assim fica mais fiel e você não precisa resumir tudo que eu digo, enquanto escreve. Só peço que estas fitas sejam apagadas, assim que o livro for publicado. O objetivo não é que o conteúdo acabe circulando pela Internet em forma de áudio. Caso contrário, eu mesmo poderia fazê-lo. É importante que o produto final tenha qualidade e fidelidade. Muitas das coisas que contarei precisaremos esclarecer e isso renderá muitas horas de conversa entre nós dois. Lembre-se que este é apenas nosso primeiro encontro e há muito o que ser contado e principalmente entendido.

Concordei com seu pedido, que me pareceu muito razoável. Peguei o pequeno gravador digital dentro da pequena mochila, liguei e coloquei em cima da mesa. 

E assim começou a história de Hamilton.

Trecho do livro "Entrevista com o Extraterrestre"
De Alexander Zimmer
Baseado numa história verídica e fantástica.
Lançamento em breve.

02 outubro, 2019

A Verdadeira História de A BELA ADORMECIDA

Sleeping Beauty, por Henry Meynell Rheam
A Bela Adormecida é um clássico conto de fadas cuja personagem principal é uma princesa, que é enfeitiçada por uma maléfica feiticeira por um dedo picado pelo fuso de um tear. (por vezes descrita como uma bruxa, ou como uma fada maligna) para cair num sono profundo, até que um príncipe encantado a desperte com um beijo provindo de um amor verdadeiro. É um dos contos mais famosos da humanidade atualmente.

Irmãos Grimm
A versão mais conhecida é a dos irmãos Grimm, publicada em 1812, na obra Contos de Grimm sob o título A Bela Adormecida (título original Dornröschen, "A Rosa dos Espinhos"[1]) [2]. Esta é considerada que tem como base tanto na versão Sol, Lua e Talia de Giambattista Basile, extraído de Pentamerone, a primeira versão a ser publicada na data de 1634[3], como na versão do escritor francês Charles Perrault publicada em 1697, no livro Contos da Mãe Ganso sob o título de A Bela Adormecida no Bosque[4], que por sua vez também se inspirou no conto de Basile.

Segundo o conto do Charles Perrault, a versão mais popular.

Na festa do primeiro aniversário da tão desejada filha dos soberanos de um reino encantado, foram convidadas sete fadas madrinhas, presenteando a criança com dádivas como a beleza, a inteligência, a riqueza, a bondade, etc.. No entanto, uma bruxa malvada ou fada malvada que fora negligenciada porque o rei tinha apenas sete pratos de ouro, interrompeu o evento e lançou-lhe como vingança uma maldição, cujo resultado seria a morte pelo picar do dedo num fuso quando a princesa atingisse a idade adulta. Porém, ainda restava o presente da sétima fada, que havia chegado atrasada. Assim sendo, esta suavizou o feitiço, transformando a maldição mortal da fada má num sono profundo, até o dia em que seria despertada pelo primeiro beijo de amor.

O rei proibiu imediatamente qualquer tipo de fiação em todo o reino, mas tudo foi em vão. Quando a princesa completou 16 anos, descobriu uma sala escondida numa torre do castelo onde encontrou uma velha a fiar. Curiosa com o fuso pediu-lhe para ensiná-la a usar a roca de fiar, picando-se nesse mesmo instante com o fuso. Sentiu então o grande sono que lhe foi destinado e, ao adormecer, todas as criaturas presentes no castelo adormeceram juntamente, sob um novo feitiço da 7ª fada piedosa. Com o passar do tempo, cresceu uma floresta de urzes em torno do castelo, isolando-o do mundo exterior e causando dor e morte a quem tentasse entrar, devido aos seus inúmeros espinhos. Assim, muitos príncipes morreram ou desistiram ao tentar encontrar a princesa, chamada de Bela Adormecida, cuja beleza era tão falada nas redondezas.

Após cem anos decorridos, um destemido príncipe enfrentou a floresta de espinhos, mesmo sabendo do perigo mortal, e finalmente conseguiu entrar no castelo. Quando encontrou a torre onde a princesa dormia, viu que era tão grande a sua beleza que se apaixonou e, não resistindo à tentação, deu-lhe um beijo que a despertou para a vida e, seguindo-se ao dela, o despertar de todos os habitantes do reino que continuaram suas vidas e afazeres de onde haviam parado há cem anos. Na versão de Grimm a história termina aqui, enquanto que na de Perrault segue com a continuação:

O príncipe e a bela princesa casaram-se secretamente e tiveram dois filhos: Aurora e Dia. Quando a mãe do príncipe (de descendência de ogres) soube disso ficou com vontade de comê-los, e ordenou a um caçador que os matasse e trouxesse, mas o caçador colocou animais no lugar onde deveria ter as crianças. A rainha, quando se apercebeu disso, enraivecida, mandou atirar as netas em um poço cheio de serpentes, cobras e víboras durante a ausência do príncipe, seu filho, que tinha ido caçar codornizes. Mas o príncipe chegou antes do tempo previsto, e a rainha, que já não podia fazer o planejado, cheia de ódio e medo ao filho, desequilibrou-se caindo dentro do poço onde morreu. A partir daí, a princesa e o príncipe "viveram felizes para sempre"!


Os nomes da princesa

Cada versão do conto tem um nome diferente desta personagem. Em Sol, Lua e Talia, ela tem o nome de Talia, cuja derivação provém da palavra grega Thaleia, que significa "o florescimento"[4].

Perrault, por sua vez, não lhe deu nome. Esta é simplesmente chamada como "a princesa", enquanto Aurora é o nome da filha da princesa. Porém Tchaikovsky transferiu o nome da filha para a mãe, sendo então Aurora o nome da princesa no filme da Disney.

Por fim, os Irmãos Grimm referem-se à princesa como a Bela Adormecida[5]. No idioma original é chamada, tal como no título, de Dornröschen, cuja tradução de dorn é espinho e de röschen é florzinha, diminutivo de flor. Algumas versões do conto traduzem o nome da princesa para Rosa do Espinheiro, Flor do Espinheiro ou Rosa de Urze, já que originalmente o reino no qual a princesa dorme é cercado por um extenso espinheiro, sendo a princesa então conhecida como "Rosa do Espinheiro" ou "Flor do Espinheiro".


As diferentes versões

No conto de Basile, a princesa Talia cai num sono profundo quando fica com um pedaço de linho encravado debaixo da unha. O rei, que já está casado, quando a descobre no castelo abandonado fica de tal maneira apaixonado que a violenta enquanto ela dorme. Apenas nove meses após esta visita que Talia acorda, altura em que dá à luz os dois infantes, o Sol e a Lua. Quando a rainha, esposa do rei, toma conhecimento da existência de Talia e dos seus dois bastardos, ordena imediatamente as suas condenações, porém esta acaba por morrer no próprio fogo que preparava para a princesa, deixando todos os restantes felizes para sempre. Resumindo , a princesa é estuprada por um rei e dá a luz a dois gêmeos. É acordada por um de seus filhos. Desta forma, ela acaba se casando com o rei, por mais que ele tenha abusado da garota enquanto estava adormecida.

Em Perrault, a princesa acorda quando um príncipe a descobre e, apaixonados, casam-se e criam um amor que tem como frutos uma filha chamada Aurora e um filho com o nome Dia. No entanto, o amado sai numa caçada, deixando a princesa e os seus filhos ao cuidado da sua mãe ciumenta, que até então não sabia da existência do casamento do filho. Esta é descendente de Ogres e as suas tendências canibais provocariam a morte destes três, se não fosse a compaixão de um cozinheiro, que engana a sua majestade com carnes de animais. Por fim, quando o seu filho chega e descobre as tentativas de destruir a sua família, a rainha suicida-se ao saltar para um tanque repleto de sapos, serpentes e víboras que tinha preparado para a princesa.

As segundas partes destas duas versões são consideradas por alguns folcloristas como contos distintos que foram unidos inicialmente por Basile.

A versão dos Irmãos Grimm termina logo após o encontro do príncipe. Assim foi criada uma integridade superior à dos contos anteriores que a tornou, em consequência, mais popular.

Em Ever After High, Briar Beauty é a filha da Bela Adormecida.


Filmes

A história também ficou muito conhecida através do filme produzido pela Disney em 1959, que conta uma história mais parecida com a versão dos Irmãos Grimm, apesar de possuir uma série de adaptações na história: Não são doze fadas que visitam o batizado da princesa, e sim três: Flora, Fauna e Primavera. No lugar de uma fada invejosa, retrata uma bruxa sombria chamada Malévola, que possui um castelo rodeado de trevas com seu próprio exército de monstros. Tanto as fadas quanto a bruxa permanecem presentes durante todo o filme. Além disso, o príncipe conhece a princesa assim que ela nasce, já que seus pais eram amigos dos pais dela e haviam decidido casamento entre seus filhos anteriormente. Outra mudança é que as três fadas querendo proteger a princesa recém-nascida, sequestram-na e levam-na para a floresta, onde criam-na disfarçadas de camponesas. A princesa sonha com o príncipe e só descobre que é filha do rei e da rainha ao completar dezesseis anos de idade, quando Malévola a atrai para um cômodo do castelo e a princesa fura o dedo no fuso de uma roca. Com a ajuda das fadas, o príncipe ainda derrota a própria Malévola transformada em dragão (que seria equivalente à mãe ogre das outras versões) e após beijar a princesa, o conto acaba com o casal dançando em vosso casamento e as três fadas indecisas sobre a cor do vestido da protagonista. Além disso, no filme a princesa é chamada de Aurora (assim como na versão de Tchaikovsky) e o príncipe de Filipe.

Em 2014 é lançado o filme Malévola, com inspiração no clássico de 1959 da Disney, narrado sob o ponto de vista da antagonista, a bruxa Malévola, encarnada por Angelina Jolie. Aqui conhecemos uma outra versão da história: Malévola costumava ser a mais poderosa protetora do Reino dos Moors, onde habitavam os seres fantásticos. Após sofrer por uma terrível traição do Rei Stefan, ela se vinga rogando uma maldição em sua filha, a Princesa Aurora. O que Malévola não contava é que desenvolveria um grande laço de afeto com Aurora, e consequentemente, arrepender-se-ia de sua própria maldição.


Televisão

No seriado Once Upon a Time há uma fusão entre as versões de Grimm, de Perrault e da Disney. Aurora é filha da Bela Adormecida e, assim como sua mãe, também sofre uma maldição do sono, dormindo um sono profundo na Floresta Encantada. O príncipe Philip, o amor verdadeiro da princesa, ajudado pela guerreira Mulan, a encontra e a desperta com o beijo de amor verdadeiro.


Referências

  1.  Por vezes também traduzido para inglês como Little Briar Rose, cuja tradução directa é O Pequeno Matagal de Rosas.
  2.  Contos de Grimm, vol.1, nº50
  3.  Giambattista Basile, Pentamerone, "Sun, Moon and Talia" Arquivado em 7 de junho de 2011, no Wayback Machine.
  4.  The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3, pg.95.
  5.  Mal a beijou, a Bela Adormecida abriu os olhos, acordou e olhou-o com um ar doce. - Retirado de: Jacob e Wilhelm Grimm. Contos de Grimm. [S.l.]: Relógio D'Água. ISBN 972-708-392-7.
  6.  The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3, pg.96.


Bibliografia

The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3
Jacob e Wilhelm Grimm. Contos de Grimm. [S.l.]: Relógio D'Água. ISBN 972-708-392-7


24 agosto, 2019

PERDIDOS

Um vento forte açoitava o deserto, onde a visibilidade era praticamente nenhuma. Nuvens de areia varriam o ar de um lado para o outro impiedosamente. Não se podia saber se era noite ou dia, pois o ar carregado obscurecia tudo, deixando todo o local em penumbra.

Anne acordou tossindo, cuspindo a areia que entrara por suas narinas, enquanto sentia o chicotear insistente da nervosa nuvem, que parecia querer lhe arrancar a pele dos ossos. Puxou a camisa, cobrindo boca e nariz, numa tentativa de conseguir respirar direito. A camisa ajudou um pouco e Anne podia respirar sem se engasgar com a poeira, mas, ainda assim, dificultosamente. Tateou ao redor e sentiu algo. Foi tateando e apalpando e percebeu que era um braço. Puxou com muito esforço para junto de si a pessoa que parecia estar meio enterrada na areia. Sentia que era Jota. Sabia que ele estava vivo, muito embora não esboçasse qualquer reação.

De repente, aquele corpo soltou um gemido, que Anne não teve certeza de ter realmente escutado, pois o barulho ensurdecedor da tempestade de areia zunia insistentemente e abafava qualquer outro som. 

Anne puxou a camisa de Jota, colocando-a sobre seu rosto, da mesma forma que fizera consigo. A diferença é que se preocupou em cobrir-lhe também os olhos, pois sabia que ele poderia ter o impulso de abri-los e a areia poderia machucá-los seriamente.

A tempestade parecia que não acabaria e Anne esforçava-se para pôr-se de pé e caminhar, arrastando Jota consigo, mas tudo era mais difícil ali, no meio de toda aquela areia impiedosa. Anne caía a todo momento, mas tinha certeza que se permanecessem ali, seriam os dois enterrados vivos. Era preciso continuar andando. 

Alguns poucos metros pareciam centenas, tamanho era o esforço. Até que simplesmente não tinha mais forças para seguir em frente, ou ficavam ali ao sabor da sorte, ou tentava seguir sozinha, sem Jota e isso ela não faria de forma alguma.

Anne desanimava e se desesperava. Não tinha nem mais forças para chorar. Suas lágrimas, que audaciosamente desciam de seus olhos, simplesmente eram consumidas pela areia feroz. Abraçou Jota com o resto de forças que tinha, procurando protegê-lo da melhor forma que pudesse, enquanto buscava esconder seu próprio rosto, cuja camisa lhe escapava a todo instante.

Foi em meio a essa desesperada luta que parecia inútil, que algo pareceu se mover através da areia. Entrecortados por jatos mais ou menos intensos, algumas sombras vinham lentamente na direção de Anne. Aos poucos os vultos foram tomando forma e logo se revelaram alguns homens muito bem protegidos por mantos, que faziam sinais uns para os outros. Um deles tentou pegar Jota, mas Anne interveio surpresa, sem saber o que estava acontecendo. Todos pararam onde estavam e Anne escutou em sua mente:

– Paz! Amigo… nós amigo… nós ajuda.

Anne sentiu uma confiança enorme abraçar seu coração. Era uma certeza e uma leveza que, ao mesmo tempo que a deixava à vontade, também lhe dava segurança e alívio. Não sabia quem eram, mas sentia que diziam a verdade. Estava exausta e diante da segurança que os homens transmitiam, Anne deixou-se relaxar. Meneando a cabeça, perdeu os sentidos.

Os homens os abraçaram, os enrolaram em mantos e, pondo-os no colo, os levaram através da areia ondulante, que voava de um lado para o outro. Logo, viam-se apenas os vultos atravessando a tempestade, até sumirem de vez no turbilhão de areia.

Trecho de 

27 maio, 2019

A História Original de ALADIM E A LÂMPADA MARAVILHOSA


Assim como aconteceu com várias fábulas antigas, que através dos séculos vieram sofrendo modificações e ganhando novas versões, também com a famosa história de Aladim não foi diferente.

Aqui trazemos o excepcional trabalho de pesquisa e análise feito pela extraordinária filosofa Lúcia Helena Galvão, da sociedade Nova Acrópole, que foi realmente fundo e agora nos brinda com este maravilhoso estudo, que só enriquece a bela história de Aladim e - ainda mais! - nos presenteia com este engrandecimento do espírito.

Vamos ao vídeo!


21 fevereiro, 2019

O Início do Despertar

Andava entre as sombras das folhas e das inúmeras dores do caminho, muitas vezes indiferente ao que se passava ao seu redor, porquanto estava fixado em seu objetivo. Mas a insistência do tempo trouxe a insegurança, o sutil esmorecimento de sua concentração, e seu olhar abriu-se para o mundo que o rodeava ao longo do caminho.

A óbvia e constante manifestação da natureza em flores, ervas e insetos falou-lhe em primeiro plano, seguida da humanidade despertante em seu coração, diante da presença, cada vez mais notada, de seus pares em sua vidas particulares; mesclas aparentemente descompensadas de sofrimento e alegria, que o deixou confuso e respeito de si próprio, pois inevitavelmente espelhara-se e vira-se em situação semelhante.

Este foi o princípio do despertar da sabedoria e a evidência da gestação do sábio que viria a nascer muito em breve; não sem as naturais dores do parto.


04 outubro, 2018

Memórias de Um Velho Futuro 2

Lembro da neve carregada pelo falante vento, quando o inverno batia a nossa porta, trazendo além do frio, uma poesia estranha, que emaranhada nos pequenos cristais, cintilava seus versos em nossas vidas. Era uma trilha estranha a musicar um tempo que não parecia tempo. Olhávamos pela janela e qualquer instante perpetuava-se, sem que pudéssemos saber quanto tempo realmente passara nesta contemplação. Fazíamos nosso próprio tempo e mundo era nossa pequena casa, numa rua que acabava na entrada da floresta; prelúdio da montanha sagrada de nossos sonhos de uma vida, de nossas fantasias infantis decoradas de lendas e histórias, que tomávamos como verdades absolutas e desejávamos fazer parte.

O tempo passou, apesar de nunca nos importarmos com ele. A sagrada montanha coberta com seu manto de neve quase eterno permanece lá fora, como se nos observasse em sua imortalidade aparente. A rua não parece a mesma de antes. Hoje está cheia de pequenas casas modernas, de linhas arrojadas e sem poesia alguma. Triste. Apenas nossa casa permanece tal qual como sempre fora. Importunaram-nos anos seguidos com o futuro e sua insistência em tentar apagar de nossas lembranças a poesia das formas. Relutamos o quanto pudemos e fomos fortes o bastante, para que, finalmente, nos deixassem em paz. Então, assim preservamos não só a história, mas a poesia que poucos têm olhos para ver. 

Tristes tempos estes, onde tudo parece preceder até mesmo o imediatismo. Máquinas substituem todos os trabalhos pesados e os homens apenas se divertem. Talvez alguns valores tenham se perdido entre peças, engrenagens e mudanças. Mas quem realmente se importa? São pessoas deste tempo, cuja razão tão diferenciada burla a si mesma entre distrações e constante prazer. Os rostos que pareciam alegres, apesar das dificuldades e agruras até certo ponto, necessárias, agora parecem máscaras tão frias quanto as máscaras dos robôs que circulam agora por avenidas, em suas formas humanizadas e sua pele de uma mistura artificial de látex com outras tantas coisas que não fazem parte de minha instrução.

Eva me traz uma caneca de chocolate quente. Sinto o cheiro antes mesmo de ela entrar na sala. Tem sido difícil conseguir chocolate de verdade, depois das regras restritivas de saúde, onde apenas frutas são o que de natural permanecem sendo primordial à alimentação. Já não é correto alimentar-se de coisas condimentadas, posto que se saiba hoje, o mal que fazem ao perfeito funcionamento do organismo humano. Ah! Mais com os Diabos! Um chocolate quente não há de fazer tão mal, que não se possa degustá-lo nos dias frios. O radicalismo alimentar matou boa parte dos prazeres que a vida nos oferecia. É claro que existem alternativas artificiais, hoje perfeitamente seguras e que vem substituir os produtos condimentados cheios de conservantes, mas para mim, homem de tempos poéticos e românticos, estas coisas são apenas papel com sabor. 

É, eu sei. Pareço ridículo. Sinto-me ridículo, a bem-dizer da verdade. Mas sou um homem de opinião. Não gosto de ser tratado como gado. 

Está certo. No fundo também não passo de um radical, como qualquer outro “moderninho”. É verdade. Reluto à modernização da sociedade. Mas fazer o que? O progresso é inexorável e tenho que me acostumar.

Pobre Eva. Sempre suportando minhas reclamações silenciosas com um lindo sorriso, que me faz sentir-me novamente uma criança tola. O último herói da resistência à coisa nenhuma. Um pobre bobão que não tem mais do que reclamar e fica buscando colocar chifres em cabeça cavalo. A verdade é que luto contra mim próprio. Sou um ser humano complexo e cheio de birra com coisa nenhuma e com tudo ao mesmo tempo.

Sorvo um pequeno gole do chocolate e respiro fundo. O calor desce pelo peito e, como num passe de mágica, espalha-se por todo o corpo. Adoro chocolate quente.

Tomo mais um gole e resolvo descer para o laboratório. Preciso voltar a desenvolver o novo processador de singularidade quântica. Sinto que não estou longe de descobrir a camada de identificação de vetores de espaço-tempo. Talvez mais alguns ajustes e consiga encontrar a mim mesmo no final da esquina.

Dou uma tímida gargalhada ao pensar que, apesar de toda minha postura ranzinza e minha birra, sou um cientista que todos consideram brilhante e que está a ponto de revolucionar o meio de transporte não só na Terra, mas para outros rincões do universo. Paradoxal. Mas enfim, não faço o tipo estereótipo do cientista. Eu acho...


20 janeiro, 2018

Encontro com um Avatar


   Anne vai subindo e entrando por entre as montanhas. Olha para as escarpas ao redor e sente receio. Isso gera um sentimento cada vez maior de insegurança e ela começa a sentir-se cansada. 

   Por entre as sombras da montanha algo se movimenta, à princípio furtivamente, porém, em seguida avança em sua direção na forma de seres nebulosos e monstruosos. Anne entra em pânico e, aproveitando-se do momento, um dos seres empunhando um estranho arco e flecha, dispara um seta veloz que atinge,  como um ferrão, o ombro direito da menina. Anne berra de dor e curva-se sobre o chão rochoso. Outros seres aproximam-se sedentos. Subitamente, uma luz irrompe em meio às sombras e os seres afastam-se, mas sem deixar o local. Observam visivelmente incomodados pela luz, enquanto soltam impropérios. No centro da luz surge uma forma translúcida, uma forma de uma grande árvore, no centro da qual começa a surgir um vulto que vai lentamente tomando a forma de um ser humano sentado na posição de lótus. O ser levanta-se calmamente e vem caminhando. 

   Anne observa o ser, porém além da dor insuportável, começa a sentir-se tremendamente fraca, dominada por confusão mental que a impede de raciocinar claramente. Em seu rosto, diversas artérias enegrecidas espalham-se cada vez mais numerosas, indo em direção a seus olhos partindo do ferimento, onde a flecha permanece cravada.

   O ser aproxima-se mais e revela-se um belo e jovem homem vestido com um suave manto dourado e os longos cabelos arranjados e presos no alto da cabeça. Sua fisionomia indochinesa é de uma serenidade profundamente reconfortante. Apesar de sua aura envolvente, ela não consegue mais discernir as coisas. O homem abaixa-se lentamente próximo de Anne, tocando com sua destra a flecha enegrecida. No mesmo instante, a seta se desfaz no ar em milhares de partículas, que vão se incendiando e desaparecendo, até nada mais restar. O horrendo e enegrecido ferimento do ombro de Anne permanece pulsante como uma criatura viva que vai alastrando-se por todo o corpo da menina. O homem toca o centro do ferimento e uma luz arroxeada cintila ao toque, tomando a forma de uma flor de lótus que, girando suavemente, vai esvanecendo até desaparecer. Em seu lugar, o ombro da menina está curado, como se nada o tivesse magoado antes. As artérias enegrecidas que cobrem o rosto de Anne começam a dissipar-se e um líquido viscoso, que parece ter vida, começa a sair por seus ouvidos, atirando-se no solo rochoso e desaparecendo entre os fragmentos de rocha, buscando esconderijo nas profundezas sombrias. 
   Anne sente-se exausta, mas o homem a ampara colocando a mão em seu ombro e olhando em seus olhos. Anne retribui o olhar.

- Maya.

   Anne escuta, sem entender a palavra que sai suavemente dos lábios quase imóveis do homem. Maya? Meu nome é Anne, pensa.

- Maya é a ilusão. Se sua mente é impura, sua terra será impura. Se sua mente é pura, sua terra será pura. O desejo é como um rei impiedoso, que nunca está satisfeito e que impera em seu coração. Não deseje e não sofra. O desejo é a alma do sofrer. Mantenha-se firme em seu propósito, porém flexível como árvores ao vento. Sua determinação é admirável, mas sua rigidez a enfraquece diante do vento dos acontecimentos. E isso te torna presa fácil do mundo de Maya.

   Anne escuta e tenta entender. Com certeza aquele era mais um ensinamento valioso como tantos outros que vinha recebendo, mas como seria possível pôr em prática aquilo? Como viver sem desejar algo? Como ser firme e flexível? Não parecia fazer sentido algum.

- Sua tarefa é descobrir o seu trabalho e, então, com todo o coração, dedicar-se a ele. Tudo o mais são ilusões para desviá-la de seu caminho. São obras de Maya. Tudo o que é passageiro é uma ilusão que nos vem incomodar. Seu coração está mergulhado na impureza, pois há ódio escondido nele e que você mesma desconhece. O ódio é como uma pedra quente que temos a intenção de atirar em alguém. Porém, é sempre aquele que levanta a pedra quem se queima primeiro. Há muitas queimaduras do passado, mas elas são exatamente isso, apenas passado. Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com nossos pensamentos fazemos o mundo.  Tudo tem seu tempo no não-tempo. Observe. Apenas observe e siga em frente.
- Mas como...?
- A paz só pode ser encontrada dentro de você mesma. Não adianta procurá-la incansavelmente à sua volta, pois estará fadada ao fracasso. – Ele sorri amorosamente. – Só há um tempo em que é fundamental despertar. Esse tempo é agora. 

   Dizendo isso, ele toca a testa de Anne suavemente com a ponta de seu indicador e um brilho intenso espoca na consciência de Anne, iluminando tudo. 
    Ela não ouve nada, não vê nada, além de luz. Luz por todos os lados. Permanece assim por algum tempo, sem saber precisar o quanto, pois não há tempo nem espaço. Seu ser amplia-se tocando em tudo, mesclando-se a tudo sem deixar de ser ela mesma. Está imersa em profunda paz. Todo o universo passa a fazer sentido. Tudo é muito simples. Tão simples como as pessoas jamais imaginaram ser possível. Anne percebe o quanto as pessoas dificultam tudo tornando complexo e difícil o mundo, o universo, a vida. Todas as coisas são passageiras, ela sabe. E não está separada de nada. O universo é um só, onde Deus, deuses, seres e mais seres são partes de uma só coisa, uma só imensidão de paz e luz.
   De repente, ela abre os olhos e está novamente na silenciosa sala. Em sua frente, Helena sorri com os olhos marejados de lágrimas. Anne não compreende bem a situação. 

- Minha querida. Não tens a menor idéia de quem esteve contigo, não é?

   Anne faz que não entende.

- Só tive esta oportunidade muitos anos depois de iniciar meus estudos com os mestres do oriente. Você, em tão poucos meses, já recebeu a visita de um grande mestre.
- Mestre? O homem bom de manto dourado, que disse coisas profundas?
- Sim. Não sabes quem era ele? Nem imaginas?

   Anne, despreocupadamente, porém interessada, faz que não com a cabeça.

- Oh, querida! Já vens estudando algumas coisas sobre o budismo. Estiveste com Sidarta Gautama, um dos Budas. Poucos um dia conseguiram estar com ele em suas meditações. Estamos praticando há apenas alguns meses e você já teve a oportunidade de encontrá-lo no mundo espiritual. Acabaste de receber um grande presente.

   Anne tenta entender a dimensão do que Helena estava dizendo, da importância de tal encontro, mas era muito difícil para alguém que soubera da existência de Buda apenas por breves citações em alguns livros da estante da sala de tia Rita e das imagens gordinhas e sentadinhas de pernas cruzadas e que nada pareciam com o homem que ela acabara de conhecer. Fora isso, não tinha mais qualquer referência sobre o Buda.

- Anne, sei que ele te passou alguns ensinamentos.
- Sim.
- Pois medite sobre eles. No momento, podem parecer difíceis e, até mesmo, sem sentido mas, com o tempo e a meditação continuada, você começará a acessar egrégoras de forma pensamento mais elevadas e tudo começará a clarear. Tenha paciência e aplique-se com esmero aos estudos. Disciplina é a base de tudo. A partir de agora, além das poucas citações a que teve acesso dentro dos ensinamentos budistas, você acrescentará a teus estudos, a filosofia budista em sua essência primordial e sem os desvirtuamentos tão comuns às tantas vertentes que se seguiram com o passar das dezenas de séculos. Somente aqui em Shambala é possível tomar contato com a pureza dos ensinamentos de Sidarta.
- Sim, D. Helena. Eu vou me esforçar cada vez mais. E sempre me interessei por tudo que tenho aprendido. Tenho certeza de que vou gostar muito de aprender sobre o budismo.
- Por favor, querida, desde que chegou aqui, que quero te dizer isso: chame-me apenas de Helena. - Diz, abrindo um grande e terno sorriso.

   Anne sorri e faz que sim com a cabeça. No peito ainda sentia a sensação de paz daquele lugar para onde Sidarta a enviara. Mas será que ele a enviara mesmo para algum lugar? – Pensava. Talvez, segundo o que ele disse sobre a paz estar dentro de nós mesmos, ele só tivesse mostrado algo que estava dentro dela mesma, sem que ela nunca tivesse se dado conta disso. Enquanto pensava sobre isso, deu-se conta de que algo estava diferente. Resolveu calar o raciocínio e apenas sentir. Fechou os olhos e deixou a respiração tranquila. Em poucos instantes, abriu um sorriso. Meu Deus! – Pensou. Nada! Não há nada! – Disse para si mesma. Sim. Sua mente estava quieta. Não havia mais pensamentos pulando feito macaquinhos de um lado para o outro, impedindo-a de concentrar-se. Tudo estava silencioso em sua mente, quando ela calava o raciocínio ordinário. Agora, sim. Ela tinha certeza de que as coisas começariam a dar certo.
   Helena levantou-se sorrindo, entendendo os pensamentos animados de Anne e orgulhosa do progresso rápido de sua pupila. 

- Observe. Mesmo quando chegas à conclusão de que há o vazio, acabaste de preenche-lo com a o raciocínio desta certeza. – Helena piscou um dos olhos, enquanto sorria. Anne também sorriu, entendendo perfeitamente as artimanhas de sua própria mente. O Nirvana não seria atingido tão facilmente, soube.

  Anne seguiu sua mestra e Helena a convidou para um passeio pela cidade. As duas cruzaram os imensos umbrais dourados da sala, fechando a porta atrás de si.

Trecho de 'Anne Blind entre Luz & Trevas'
Em breve nas melhores livrarias.