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18 setembro, 2023

Os Morcegos

   Ele estava lá, imóvel; apenas observava o revoar dos morcegos, que cortavam velozes o ar ao seu redor. Era uma imagem curiosa de se observar, ele parado ali e todos aqueles morcegos indo e vindo, frenéticos, sorvendo o que restara nos bebedouros dos beija-flores.

   O que passava por sua mente naquele instante era difícil de se saber. Ele jamais fora um homem previsível; encontrá-lo ali, em meio ao voo dos morcegos era ótimo exemplo de sua imprevisibilidade.

   Até que, em determinado momento, balançou o corpo, deu meia-volta e retornou para dentro de casa, sem nada dizer e fechando a porta atrás de si.

   Depois desse dia percebia-se a repetição do mesmo costume, vez ou outra, mas sempre da mesma forma, sem dizer palavra; apenas à observar o voo dos morcegos.

   Alguns anos depois, soube-se que ele falecera de forma natural, levando consigo a razão de porque desenvolvera esse costume de observar os morcegos. Talvez gostasse das criaturinhas noturnas. Mas a verdade é que o real motivo para todo o sempre será um mistério.

15 maio, 2023

Memórias de Cotswolds

Eu costumava olhar a sutil névoa que cobria as manhãs de Cotswolds, quando visitava minha avó durante as férias. Nunca tivemos isso no Brasil, ainda menos no Rio de Janeiro. Aqueles momentos matutinos em terras inglesas me faziam sentir como um personagem mitológico de um livro de aventuras que Tolkien nunca escrevera, ou que escrevera, mas estava escondido, perdido por dezenas de anos, sem que ninguém suspeitasse de sua existência; e esse pensamento me fazia sentir como pertencente à uma história esclusiva e que ninguém lera ainda.

Eu devia ter por volta de nove ou dez anos, mas já tinha essa mente fértil ou dada a viagens mirabolantes, como um prelúdio de que me tornaria escritor ou qualquer outra coisa que necessitasse de uma mente criativa e sem amarras, que nunca tivera medo de criar e viver seus mundos, embora os reservasse ao particular, com receio da dureza das outras pessoas. Minha avó alimentava isso. Como boa descendente de irlandeses, a mitologia e a magia daquelas terras fluiam pelo seu sangue, transbordavam por seus movimentos e insinuavam-se através de seu olhar sempre vivaz e cheio de mistérios, que tanto me fascinavam e confortavam, quando eu desejava ser apenas eu mesmo, sem as pseudo regras de uma sociedade cada vez mais atolada na brutalidade de um mundo fabricado por medos e dominância.

Eu andava por aquelas ruas e caminhos quase naturais, encontrava trilhas diferentes e, embora fosse uma cidade, sempre fora uma cidade repleta recantos interessantes, se é que essa seria a melhor forma de classificá-los, quando 'recantos' parece tão simplista e tão inapropriadamente insuficiente. Toda a arquitetura de Cotswolds tinha algo que me remetiam aos livros, um toque especial de algo sutil, segredos furtivos de lugares e momentos atemporais, como portais para outras dimensões e mundos insuspeitados. E eu fantasiava com fadas escondidas em moitas, que me observavam curiosas; fantasiava com passagens secretas de gnomos disfarçadas embaixo de pedras musguentas ou em pequenos e obscuros vão nos velhos carvalhos.

Eu passava minhas férias de inverno nesse lugar mágico, do qual me lembro sempre com muito carinho e um impossível desejar de que um dia retorne; mas será que ele não tem exatamente o poder de retornar sempre que relembro alguns desses momentos de minha infância distante?

Hoje sou um escritor brasileiro, porque, afinal, brasileiro sou, porém há em minhas veias o velho sangue, com toda sua herança mitológica; minha alma permanece repleta das brumas e sonhos saturados de magia antiga, que inevitavelmente verto em minha escrita, em minhas histórias, que nem sempre são previsivelmente compreendidas, e permanecem nas entrelinhas, aguardando a personalidade certa, o insólito leitor, a formidável alma capaz de decifrá-las, abrindo antigos portais e trazendo de volta a magia perdida deste mundo tão quase completamente industrial.


16 maio, 2022

Do Desânimo do Escritor

 Eu estava me sentindo desanimado para escrever, quando percebi que essa sensação, essa predisposição, tem sido promovido pelo meio editorial brasileiro. É triste como a coisa funciona de forma absurda e como uma rua sem saída - não aceitam receber seu manuscrito e mandam você arrumar um agente literário, que por sua parte, não quer te agenciar, porque você não é um escritor renomado, então nem se dá ao trabalho de ler o material para ver se é bom e merece ser defendido; ou mercado que te absorve de forma supostamente benevolente, com o tempo revela-se de forma friamente desonesta. Daí, resolvi que não deixaria essa latrina toda influenciar na minha pena ou minha vontade de trabalhar as letras e minhas histórias. Minha escrita é mais do que arte; é clara resistência. Mas, então, Arte, entre outras coisas, não é óbvia resistência a aceitar apenas a realidade insensível e formatada (muitas vezes desumana e violenta!)? Então, não estou fazendo nada do que já não fazia, apenas que com mais consciência, determinação e autenticidade.

13 julho, 2021

A Manhã Fria

 O caminhar inexorável dos anos tem se revelado um peso e um alívio. Enquanto a cada passo na areia exige-se maior esforço para puxar o pé no intento de um novo passo, mais o coração se liberta dos convencionalismos sociais escravizantes de uma vida ordinária em meio à sociedade.

A luz ofuscante do sol da manhã fere levemente os olhos ainda acostumados à noite de sono, mas o dia não se importa e precisa seguir em frente, independente de nossa vontade, de nossas ideias. Enquanto os pássaros cantam uma alegria que não é a minha e ainda me falta explicação sensata, vou atravessando lentamente o jardim e buscando contraditoriamente o calor do sol, o mesmo que me fere os olhos, nesta manhã fria de inverno.

O passado teimosamente insiste em me visitar, mas não tenho pensamentos para ele agora e prefiro as trivialidades mais ao alcance do tempo presente, apesar de aparentemente sem atrativos que me seduzam, a não ser pela necessidade do calor solar.

O céu está absurda e profundamente azul e promete um calor que o dia não poderá certamente cumprir; o inverno impõe sua hegemonia de direito e, aceitemos ou não, é o que há para vivenciar, independente de nossa revolta raquítica e insuficiente. Mas eu gosto do inverno. Ele não é o portador de falsas promessas de supostas delícias, como o verão que anuncia um tempo de alegria, enquanto sufocamos e esvaímo-nos em insuportáveis quarenta e cinco graus de loucura torturante. O inverno me ajuda a lembrar que somos fortes, mas nem tanto e, por isso mesmo, somos mais humanos e menos pretenciosos.

Olho para o fundo limoso da piscina, que pede por uma limpeza que não virá tão cedo. Algumas folhas boiam e outras jazem na profundidade, um vislumbre metafórico quase piegas da morte, que já não me assusta há muitos anos. Sua força é um mito alimentado pelo medo dos ignorantes e covardes. Apesar de reconhecer minha covardia óbvia e denúncia de minha lamentável fraqueza, da morte só reconheço uma passagem necessária, enquanto os idiotas esperam medrosa e contraditoriamente a resolução de tudo.

Sento na cadeira de praia e, como a carne morta numa grelha, me exponho ao calor quase sutil dessa manhã sem sentido e dispensável, não fosse a impossibilidade de recusar o dia que se há de viver, independente de minha vontade desimportante.

O tempo consome as horas lentamente, enquanto o sol sorrateiramente aumenta sua fome sobre mim, aproveitando-se de minha ânsia por calor; um estratagema que esconde em suas camadas sutis, os furtivos limites entre vida e morte. E não fosse o reclame do corpo diante do inevitável desconforto que beira o exagero, o tênue limite se tornaria o arauto evidente do ocaso humano, a despedida silenciosa, o final da comédia.

Mas sigo ao sol, enquanto me entrego a um dos poucos prazeres que me restam, que seja os poucos minutos de calor nesta manhã fria, antes que o desconforto me leve a praguejar aquele que antes me ofertava prazer.

02 setembro, 2020

Natureza Humana

O passarinho estava pousado no galho e não viu mais do que uma sombra furtiva, enquanto o próprio suspiro fora interrompido antes de tudo escurecer e a vida fechar-se definitivamente entre os dentes do gato. Deixara de ser um passarinho para tornar-se refeição.

Eu observava de longe e, entre maravilhado e indignado, vi como, de uma consecução de saltos instintivamente calculados, o gato chegou até o gramado do jardim e passou a saborear a liberdade perdida entre os dentes. Mas isso não durou muito, pois, inesperadamente, um flash de cores passou rasante sobre o jardim, arrastando o gato às alturas em meio a um miado desesperado, que logo se distanciou nas garras de uma águia enorme.

Aqui fiquei absolutamente surpreso com a consecução de fatos inusitados, ainda tentando absorver a grandiosidade de tudo aquilo que acabara de acontecer diante de meus olhos. Era a natureza em sua mais simples representação de equilíbrio de forças e compensações, que ao olhos humanos poderia repercutir facilmente, como resultado de um impulso emocional natural de nossa consciência julgadora, impiedoso. Perfeitamente compreensível, pois criamos nossos próprios códigos de conduta, enquanto isolávamos os próprios códigos naturais, sobre o rótulo de selvagens. No entanto, nós próprios temos, através de nosso supervalorizado código de conduta, o exemplo de selvageria adequadamente ajustado aos desequilíbrios próprios de nossa imperfectibilidade, a qual tentando fingir não existir, para que assim possamos continuar posando como o auge da vida, a evolução suprema sobre todo o reino natural, da qual gostamos de sentirmo-nos apartados, tal qual seres especiais e que, portanto, podem dispor da indiferença. Mas quem somos nós, senão seres inteligentemente arrogantes? Nossa selvageria é menos selvagem do que a produzida pela própria natureza? A natureza tem o álibi, como se isso tivesse qualquer importância para ela e que a mesma necessitasse de justificativas para ser o que é, em toda sua magnanimidade; ela usa da selvageria como simples satisfação de necessidades reais, de acordo com o mantenimento da própria vida de seus seres, entre fracos, fortes, espertos etc. Enquanto isso, qual nossa justificativa, que valeria realmente uma significação real para nossa selvageria calculada e cheia de interesses escusos, onde em último caso, o mantenimento da vida seria a razão, no entanto, o alimento desta selvageria humana tem apenas por alimento a adicção pelo excesso, a não satisfação com o que apenas e justamente é o suficiente. Portanto, quem é o verdadeiro selvagem? A mínima noção de sensatez nos aponta sem dúvidas a nós próprios e a nossas razões sem razão.

O passarinho, o gato, a águia… meros atores de um quadro em constante movimento que denominamos vida, mas a qual, queiramos ou não, pertencemos, mesmo sem nos identificarmos plenamente, por nosso erro de avaliação, por nossa presunção e teimosia em tentar reinventar a vida, quando ela mesma está pronta e sem precisar de retoques. Talvez precisemos reaprender e, com isso, talvez a tornemos mais justa, desde que eliminemos nossas supostas interpretações de nós próprios, da vida e, consequentemente, de nossas relações com o real.

26 julho, 2020

A Verdadeira História de LILO & STICH

Se você quer manter a linda história da Disney em sua mente, não leia este texto, pois pode mudar para sempre a bela imagem de Lilo e Stich que você tem na lembrança.

Muitos viram o lindo filme da Disney, que é sobre as aventuras de Lilo, uma garota havaiana de 5 anos que encontra um experimento alienígena e se torna sua melhor amiga. Mas nada disso é a realidade. Vamos à história que contam em determinada região do Hawaii. 

Lilo era uma garota que ficou órfã, pois seus pais morreram quando foram esmagados por uma grande árvore que caiu sobre sua casa, como resultado de uma horrível tempestade. Lilo foi colocada pelas autoridades em um orfanato, mas acabou fugindo e indo viver nas ruínas de sua antiga casa, alimentando-se das esmolas que pedia aos habitantes da ilha. 

Stich

Obviamente, Stich não era um alienígena, mas,  na verdade, um filhote de cachorro que Lilo encontrou em um depósito de lixo; ele se tornou sua única e inseparável companhia, seu confidente, seu amigo.

Lilo nunca teve uma irmã, como mostra o filme; era tudo um produto de sua imaginação, de sua necessidade de fugir da dura realidade. Não raras vezes, Lilo e Stich se sentavam em frente à praia para sonhar acordada e imaginar que tinha uma irmã, amigos e grandes aventuras.

Nove anos se passaram. Lilo estava crescendo, já tinha 14 anos, mas ainda estava apaixonada por seu mundo e suas aventuras imaginárias, ao lado de seu cão inseparável. Como a dificuldade em lidar com a realidade aumentava dolorosamente cada vez mais, Lilo acabou se envolvendo com drogas e, para poder manter seu mundo ilusório e escapar dos sofrimentos de um mundo duro ao qual fora jogada pelo destino, começou a se prostituir para ganhar dinheiro e poder comprar as drogas que lhe facilitavam voltar a seu mundo onírico.

A história de Lilo e Stich foi compilada pela Disney, baseada nas histórias contadas pela própria Lilo às equipes médicas, nas várias tentativas realizadas de ser internada numa clínica de reabilitação, mas que ela sempre recusava. Ela contou sobre seu mundo e suas aventuras ao lado de seu amigo Stich e como ela estava feliz em escapar da realidade. 

Lilo estava cada vez mais mergulhada em seu mundo químico/imaginário e, tempos depois, como uma triste consequência, Lilo acabou sendo encontrada morta nas ruínas de sua casa, como resultado de uma overdose. Seu corpo foi encontrado por vizinhos incomodados pelo cheiro nauseante de podridão que se espalhava pela vizinhança. Seu cão inseparável não a deixou sozinha em nenhum momento. 

Stich jamais se separou de sua dona, mesmo depois que essa faleceu e foi enterrada num cemitério. Conhecedoras da história, pessoas levavam alimentos para Stich, que jamais sequer os tocou. Profundamente triste, Stich definhou até a morte sobre o túmulo de Lilo e, finalmente, pode novamente ficar com sua dona.

A Disney, como sempre, conseguiu transformar uma tragédia em um belo conto áudio-visual, que fascina adultos e crianças até hoje.

19 novembro, 2019

Primeiras Linhas de um Aviso Inicial

Eu poderia discursar sobre as razões que me trazem aqui e dar inúmeros motivos idiotas para te convencer, mas isso realmente não é importante. O fato é que estou aqui, nesta posição um pouco incômoda, mas que já foi muito mais incômoda do que agora, porque eu simplesmente parei de me preocupar tanto. Percebi, enfim, que fatos são fatos e de nada adianta ficar me preocupando em demasia quanto ao que está acontecendo e ao que pode acontecer no futuro; um futuro que é uma quimera, até que o presente se movimente em alguma direção.

Cheguei aqui por 'acaso' - se é que isso existe - há dois anos. Estranhamente, fui abordado numa lanchonete. Fui pego de surpresa com a proposta e com a escolha do local onde vieram fazê-la, mas depois compreendi a necessidade de um local público; uma boa forma de evitar uma reação indesejada de minha parte.

Eles chegaram e me 'convidaram' a fazer parte de um projeto governamental sigiloso, mas que, até então, não poderiam revelar. É óbvio que achei estranho e até mesmo ri da proposta, mas depois tive que enfiar minha viola no saco, porque os sujeitos estavam mesmo falando a verdade e o tal projeto realmente existia. 

Eles me conheciam muito bem. Não só desfilaram todo meu currículo acadêmico, como também meus costumes diários, o que me deixou bem assustado, pois disseram coisas que somente eu sabia, coisas como: que lado da boca eu escovo os dentes primeiro. Parece ridículo, eu sei, mas era este tipo de meticulosidade de conhecimentos que eles tinham a meu respeito. Já estavam me observando faz tempo, pensando em 'recrutar-me' para o trabalho que faço hoje.

Por que resolvi falar sobre isso abertamente? Bem, estou doente e sem chance de cura. Não que ela, a cura, não exista, ela existe, mas vários eventos me trouxeram à posição em que estou agora e, digamos, essa doença foi resultado de algumas desavenças e desagrados, que nasceram e culminaram a partir do momento em que resolvi discordar de certos 'valores'. A cura? Bem, está exatamente em poder de quem não é muito simpático às minhas opiniões. Como não há muita esperança de que me façam uma bondade, resolvi golpear fundo, expondo o que sei, ou pelo menos, parte considerável do que sei a respeito do que andam fazendo, já há muitos anos e pelas costas de gente como você. O assunto é delicado e merece um cuidado especial com as palavras, para que não pareça uma coisa de maluco, muito embora isso acabe acontecendo de alguma forma, pelo menos no início do relato.

Bom, vamos deixar de enrolação e passar logo aos fatos que me trouxeram até este momento derradeiro de minha vida, mas que - quem sabe? - não pode ser um divisor de águas na política de acobertamento de segredos tão assustadoramente importantes para o futuro da humanidade, tirando-a deste obscuro abismo que 'eles' cismam em manter a todos. Está na hora de todos saberem o que está acontecendo e, talvez, tomar as rédeas desta loucura. Mas nunca é demais deixar de salientar que esta mudança não virá pacificamente e, sangue e vidas se perderão em meio a esta reviravolta, que só pessoas como você podem pôr em marcha, para seu próprio bem e de toda a humanidade neste planeta.

09 outubro, 2019

A História Original de A PEQUENA SEREIA


A versão de A Pequena Sereia que todos nós conhecemos tem um final muito feliz. Ela foi adaptada pelos estúdios Disney em 1985 e conta a história de amor entre a sereia Ariel e o príncipe Eric, terminando com os dois vivendo felizes para sempre. No entanto, o conto original, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, não termina nada bem para a jovem sereia. Segundo se afirma, o autor escrevera a história baseado no amor não correspondido por outro homem.

A Verdadeira Origem do Conto

Na história criada por Andersen, a sereia salva o príncipe de um afogamento e acaba se apaixonando por ele. No entanto, sua natureza de sereia os impede de viverem juntos e felizes. Então, ela recorre à bruxa do mar, que lhe concede pernas e em troca recebe sua bela voz como pagamento. No entanto, o encantamento tem um porém: caso não seja correspondida, ela morreria dissolvendo-se na água do mar até desaparecer completamente. Dito e feito! O final acaba sendo inesperadamente trágico, pois o príncipe escolhe se casar com outra princesa. Com o coração partido, a pequena sereia vê seu destino ser tragicamente selado. 

Em 1837, quando da criação da história e da personagem, Andersen buscava representar seu fracasso na conquista de um heterossexual chamado Edvard Collin. Os biógrafos de Andersen afirmam que ele era bissexual e, totalmente arrasado, após seu amado decidir se casar com uma mulher, decidiu escrever o conto, como um recado para o amigo.

Um uma carta que escreveu para Collin, dizia: "A feminilidade da minha natureza e a nossa amizade devem permanecer um mistério". Mas, infelizmente, não era correspondido. O próprio Collin escrevera em suas memórias: "Eu me encontrei incapaz de responder a esse amor, e isso causou muito sofrimento ao autor".

Andersen parecia ansiar por fazer parte do mundo de Collin, da mesma forma que sua personagem.  O crítico de história literária e cultural Rictor Norton e autor de Meu Querido Garoto: Cartas de amor gays ao longo dos séculos, afirmou: “no conto de fadas escrito para Collin, Andersen se apresenta como o forasteiro sexual que perdeu seu príncipe para outro”.

No entanto, Andersen teve diversos reveses amorosos, onde teria se apaixonado por muitas mulheres que considerava inatingíveis e, segundo registros pessoais, sua vida sexual não era nada ativa. Talvez, seus outros contos também revelem seus conflitos de amor.

A Verdadeira História de CINDERELA

Muitos estão familiarizados com a narrativa apresentada nos filmes da Disney, no entanto, a história da princesa do sapatinho de cristal tem registros de 860 anos a.C e tratam de assuntos trágicos.


Por Fábio Previdelli 

A história da Cinderela é um conto popular que se tornou famoso no mundo todo devido ao grande sucesso que teve após adaptações feitas pela Disney. No entanto, a animação de 1950 e o live action de 2015 contam uma história muito mais amena e social do que suas versões primitivas, que tratam de assuntos como assassinatos e mutilação.

A alternativa mais antiga que se tem registro é a narrativa chinesa de Ye Xian, datada do ano 860 a.C. Além dela, outras que se tornaram mais conhecidas são a apresentada pelos Irmãos Grimm e por Giambattista Basile.

Confira abaixo alguma das versões mais antigas e mais sangrentas da princesa do sapatinho de cristal.

Rhodopis

A versão oral mais antiga que se tem conhecimento na Europa é a história grega de Rhodopis, uma cortesã grega que viveu na colônia de Naucratis, Egito. A história foi registrada pela primeira vez pelo geógrafo e filósofo grego Estrabão.

Segundo o conto, uma águia pegou um par de sandálias de uma empregada e as levou até Mênfis, no Egito. Chegando lá, o animal soltou o calçado no colo de um rei, que ficou extasiado tanto pela bela forma das sandálias quanto pela estranheza da ocorrência. Assim, enviou seus homens em todas as direções do país em busca da dona do calçado. Quando ela foi encontrada, o rei se casou com ela.

La Fresne

Essa versão do século 12 d.C, escrita por Maria da França, narra a história de uma mulher nobre que abandona uma de suas filhas recém-nascidas. A motivação do desamparo se dá pela crença da época que dizia que uma mulher que engravidava de gêmeos seria infiel, já que eles seriam oriundos de pais diferentes.

Sendo assim, ela deixa uma de suas filhas do lado de fora de uma abadia. O bebê é encontrado por um porteiro que a entrega a uma gentil abadessa. A menina recebe o apelido de Le Fresne e, quando adulta, se apaixona por um nobre cavaleiro.

A união é vista como impossível, já que ele tem que manter uma relação com alguém da nobreza e se casar com uma qualquer significaria o fim de sua linhagem. O nobre acaba sendo convencido a se casar com outra mulher, que, por ventura, é a irmã gêmea de Le Fresne. A ligação das duas é revelada no dia do matrimônio, que é interrompido para que ele se case com quem realmente ama.

Ye Xian

A versão asiática é datada por volta de 860 a.C. Nela, Ye Xian é filha de um líder tribal local que morreu quando ela ainda era muito jovem. Como sua mãe faleceu ainda mais cedo, seu pai acabou se casando com outra mulher, a qual ficou incumbida de cuidar de Ye Xian. Porém, ela é constantemente abusada e só encontra paz quando faz amizade com um peixe, que é a reencarnação de sua mãe.

Sua madrasta e sua meia-irmã matam o animal, mas Ye Xian salva os ossos do bicho, do qual ela descobre que são mágicos. Assim, ele a ajuda a se vestir adequadamente para um festival local. Calçando um sapato dourado, ela é reconhecida por sua família adotiva, que a expulsa do festival.

No meio da confusão ela perde seu calçado, que é encontrado por um rei de uma ilha marítima. Ao procurar a dona do sapato, ele chega à casa de Ye Xiang e se apaixona por ela. Assim, o monarca a resgata de sua cruel madrasta e os dois se casam.     

A versão dos Irmãos Grimm e outras histórias sangrentas

Apesar das versões apresentadas serem muito semelhantes com aquelas que estamos acostumados a ouvir. Outras interpretações do conto são muito mais macabras e assustadoras. Um exemplo é a contada pelos Irmãos Grimm. Para eles, a história de Cinderela era muito mais sangrenta.

Nela, a gata borralheira plantou uma aveleira no túmulo da mãe e a regou com lágrimas. Na árvore morava um pássaro, que a cobriu de ouro para três dias de baile. No terceiro dia, o príncipe pegou o sapatinho da desconhecida.

Na hora de experimentar nas donzelas do reino, uma irmã de Cinderela cortou o dedo do pé e a outra o calcanhar. Claro, o sapatinho só serviu na dona. E, no dia do casamento, duas pombas perfuraram os olhos das irmãs.

Pode até parecer assustador, mas essa não é a única narrativa com um final escabroso. Em uma das histórias, a moça vira empregada para fugir do assédio sexual do pai. Em outra, a madrasta, tentando matar a enteada, joga uma de suas filhas na fogueira. Numa terceira, a madrasta deixa Cinderela sem comer, numa época em que a fome rondava as aldeias.

Há outra, registrada por Giambattista Basile na coletânea Pentameron, do início do século 17, em que o pai de Cinderela casa-se com uma mulher que a trata mal, quando ela queria que ele se casasse com a governanta. Cinderela, então, assassina a madrasta.


02 outubro, 2019

A Verdadeira História de A BELA ADORMECIDA

Sleeping Beauty, por Henry Meynell Rheam
A Bela Adormecida é um clássico conto de fadas cuja personagem principal é uma princesa, que é enfeitiçada por uma maléfica feiticeira por um dedo picado pelo fuso de um tear. (por vezes descrita como uma bruxa, ou como uma fada maligna) para cair num sono profundo, até que um príncipe encantado a desperte com um beijo provindo de um amor verdadeiro. É um dos contos mais famosos da humanidade atualmente.

Irmãos Grimm
A versão mais conhecida é a dos irmãos Grimm, publicada em 1812, na obra Contos de Grimm sob o título A Bela Adormecida (título original Dornröschen, "A Rosa dos Espinhos"[1]) [2]. Esta é considerada que tem como base tanto na versão Sol, Lua e Talia de Giambattista Basile, extraído de Pentamerone, a primeira versão a ser publicada na data de 1634[3], como na versão do escritor francês Charles Perrault publicada em 1697, no livro Contos da Mãe Ganso sob o título de A Bela Adormecida no Bosque[4], que por sua vez também se inspirou no conto de Basile.

Segundo o conto do Charles Perrault, a versão mais popular.

Na festa do primeiro aniversário da tão desejada filha dos soberanos de um reino encantado, foram convidadas sete fadas madrinhas, presenteando a criança com dádivas como a beleza, a inteligência, a riqueza, a bondade, etc.. No entanto, uma bruxa malvada ou fada malvada que fora negligenciada porque o rei tinha apenas sete pratos de ouro, interrompeu o evento e lançou-lhe como vingança uma maldição, cujo resultado seria a morte pelo picar do dedo num fuso quando a princesa atingisse a idade adulta. Porém, ainda restava o presente da sétima fada, que havia chegado atrasada. Assim sendo, esta suavizou o feitiço, transformando a maldição mortal da fada má num sono profundo, até o dia em que seria despertada pelo primeiro beijo de amor.

O rei proibiu imediatamente qualquer tipo de fiação em todo o reino, mas tudo foi em vão. Quando a princesa completou 16 anos, descobriu uma sala escondida numa torre do castelo onde encontrou uma velha a fiar. Curiosa com o fuso pediu-lhe para ensiná-la a usar a roca de fiar, picando-se nesse mesmo instante com o fuso. Sentiu então o grande sono que lhe foi destinado e, ao adormecer, todas as criaturas presentes no castelo adormeceram juntamente, sob um novo feitiço da 7ª fada piedosa. Com o passar do tempo, cresceu uma floresta de urzes em torno do castelo, isolando-o do mundo exterior e causando dor e morte a quem tentasse entrar, devido aos seus inúmeros espinhos. Assim, muitos príncipes morreram ou desistiram ao tentar encontrar a princesa, chamada de Bela Adormecida, cuja beleza era tão falada nas redondezas.

Após cem anos decorridos, um destemido príncipe enfrentou a floresta de espinhos, mesmo sabendo do perigo mortal, e finalmente conseguiu entrar no castelo. Quando encontrou a torre onde a princesa dormia, viu que era tão grande a sua beleza que se apaixonou e, não resistindo à tentação, deu-lhe um beijo que a despertou para a vida e, seguindo-se ao dela, o despertar de todos os habitantes do reino que continuaram suas vidas e afazeres de onde haviam parado há cem anos. Na versão de Grimm a história termina aqui, enquanto que na de Perrault segue com a continuação:

O príncipe e a bela princesa casaram-se secretamente e tiveram dois filhos: Aurora e Dia. Quando a mãe do príncipe (de descendência de ogres) soube disso ficou com vontade de comê-los, e ordenou a um caçador que os matasse e trouxesse, mas o caçador colocou animais no lugar onde deveria ter as crianças. A rainha, quando se apercebeu disso, enraivecida, mandou atirar as netas em um poço cheio de serpentes, cobras e víboras durante a ausência do príncipe, seu filho, que tinha ido caçar codornizes. Mas o príncipe chegou antes do tempo previsto, e a rainha, que já não podia fazer o planejado, cheia de ódio e medo ao filho, desequilibrou-se caindo dentro do poço onde morreu. A partir daí, a princesa e o príncipe "viveram felizes para sempre"!


Os nomes da princesa

Cada versão do conto tem um nome diferente desta personagem. Em Sol, Lua e Talia, ela tem o nome de Talia, cuja derivação provém da palavra grega Thaleia, que significa "o florescimento"[4].

Perrault, por sua vez, não lhe deu nome. Esta é simplesmente chamada como "a princesa", enquanto Aurora é o nome da filha da princesa. Porém Tchaikovsky transferiu o nome da filha para a mãe, sendo então Aurora o nome da princesa no filme da Disney.

Por fim, os Irmãos Grimm referem-se à princesa como a Bela Adormecida[5]. No idioma original é chamada, tal como no título, de Dornröschen, cuja tradução de dorn é espinho e de röschen é florzinha, diminutivo de flor. Algumas versões do conto traduzem o nome da princesa para Rosa do Espinheiro, Flor do Espinheiro ou Rosa de Urze, já que originalmente o reino no qual a princesa dorme é cercado por um extenso espinheiro, sendo a princesa então conhecida como "Rosa do Espinheiro" ou "Flor do Espinheiro".


As diferentes versões

No conto de Basile, a princesa Talia cai num sono profundo quando fica com um pedaço de linho encravado debaixo da unha. O rei, que já está casado, quando a descobre no castelo abandonado fica de tal maneira apaixonado que a violenta enquanto ela dorme. Apenas nove meses após esta visita que Talia acorda, altura em que dá à luz os dois infantes, o Sol e a Lua. Quando a rainha, esposa do rei, toma conhecimento da existência de Talia e dos seus dois bastardos, ordena imediatamente as suas condenações, porém esta acaba por morrer no próprio fogo que preparava para a princesa, deixando todos os restantes felizes para sempre. Resumindo , a princesa é estuprada por um rei e dá a luz a dois gêmeos. É acordada por um de seus filhos. Desta forma, ela acaba se casando com o rei, por mais que ele tenha abusado da garota enquanto estava adormecida.

Em Perrault, a princesa acorda quando um príncipe a descobre e, apaixonados, casam-se e criam um amor que tem como frutos uma filha chamada Aurora e um filho com o nome Dia. No entanto, o amado sai numa caçada, deixando a princesa e os seus filhos ao cuidado da sua mãe ciumenta, que até então não sabia da existência do casamento do filho. Esta é descendente de Ogres e as suas tendências canibais provocariam a morte destes três, se não fosse a compaixão de um cozinheiro, que engana a sua majestade com carnes de animais. Por fim, quando o seu filho chega e descobre as tentativas de destruir a sua família, a rainha suicida-se ao saltar para um tanque repleto de sapos, serpentes e víboras que tinha preparado para a princesa.

As segundas partes destas duas versões são consideradas por alguns folcloristas como contos distintos que foram unidos inicialmente por Basile.

A versão dos Irmãos Grimm termina logo após o encontro do príncipe. Assim foi criada uma integridade superior à dos contos anteriores que a tornou, em consequência, mais popular.

Em Ever After High, Briar Beauty é a filha da Bela Adormecida.


Filmes

A história também ficou muito conhecida através do filme produzido pela Disney em 1959, que conta uma história mais parecida com a versão dos Irmãos Grimm, apesar de possuir uma série de adaptações na história: Não são doze fadas que visitam o batizado da princesa, e sim três: Flora, Fauna e Primavera. No lugar de uma fada invejosa, retrata uma bruxa sombria chamada Malévola, que possui um castelo rodeado de trevas com seu próprio exército de monstros. Tanto as fadas quanto a bruxa permanecem presentes durante todo o filme. Além disso, o príncipe conhece a princesa assim que ela nasce, já que seus pais eram amigos dos pais dela e haviam decidido casamento entre seus filhos anteriormente. Outra mudança é que as três fadas querendo proteger a princesa recém-nascida, sequestram-na e levam-na para a floresta, onde criam-na disfarçadas de camponesas. A princesa sonha com o príncipe e só descobre que é filha do rei e da rainha ao completar dezesseis anos de idade, quando Malévola a atrai para um cômodo do castelo e a princesa fura o dedo no fuso de uma roca. Com a ajuda das fadas, o príncipe ainda derrota a própria Malévola transformada em dragão (que seria equivalente à mãe ogre das outras versões) e após beijar a princesa, o conto acaba com o casal dançando em vosso casamento e as três fadas indecisas sobre a cor do vestido da protagonista. Além disso, no filme a princesa é chamada de Aurora (assim como na versão de Tchaikovsky) e o príncipe de Filipe.

Em 2014 é lançado o filme Malévola, com inspiração no clássico de 1959 da Disney, narrado sob o ponto de vista da antagonista, a bruxa Malévola, encarnada por Angelina Jolie. Aqui conhecemos uma outra versão da história: Malévola costumava ser a mais poderosa protetora do Reino dos Moors, onde habitavam os seres fantásticos. Após sofrer por uma terrível traição do Rei Stefan, ela se vinga rogando uma maldição em sua filha, a Princesa Aurora. O que Malévola não contava é que desenvolveria um grande laço de afeto com Aurora, e consequentemente, arrepender-se-ia de sua própria maldição.


Televisão

No seriado Once Upon a Time há uma fusão entre as versões de Grimm, de Perrault e da Disney. Aurora é filha da Bela Adormecida e, assim como sua mãe, também sofre uma maldição do sono, dormindo um sono profundo na Floresta Encantada. O príncipe Philip, o amor verdadeiro da princesa, ajudado pela guerreira Mulan, a encontra e a desperta com o beijo de amor verdadeiro.


Referências

  1.  Por vezes também traduzido para inglês como Little Briar Rose, cuja tradução directa é O Pequeno Matagal de Rosas.
  2.  Contos de Grimm, vol.1, nº50
  3.  Giambattista Basile, Pentamerone, "Sun, Moon and Talia" Arquivado em 7 de junho de 2011, no Wayback Machine.
  4.  The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3, pg.95.
  5.  Mal a beijou, a Bela Adormecida abriu os olhos, acordou e olhou-o com um ar doce. - Retirado de: Jacob e Wilhelm Grimm. Contos de Grimm. [S.l.]: Relógio D'Água. ISBN 972-708-392-7.
  6.  The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3, pg.96.


Bibliografia

The Annotated Classic Fairy Tales (em inglês). [S.l.]: W. W. Norton & Company. 2002. ISBN 0-393-05163-3
Jacob e Wilhelm Grimm. Contos de Grimm. [S.l.]: Relógio D'Água. ISBN 972-708-392-7


30 setembro, 2019

A Verdadeira História de A BELA E A FERA


Foi no século XVIII que surgiu o conto de fadas A Bela e a Fera em uma publicação anônima de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, mais conhecida como Madame de Villeneuve, que em 1740 publicou em um jornal francês voltado para contos, a história original de A bela e Fera, o qual possuía mais de 300 páginas.

A história da Bela e Fera foi reescrita em 1757 por Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, conhecida como Madame Leprince de Beaumont, porém ela ocultou alguns fatos da história principalmente os de teor erótico. Por ter jovens meninas como seu público principal, com isso romantizou o conto de Madame de Villeneuve criando bastante polêmica na época por censurar a obra.

Em 1991, a produtora Walt Disney transforma a história reescrita para a que conhecemos atualmente. Sendo produzidas diversas versões desde desenhos animados até chegar à última em 2017, trazendo no elenco a Emma Watson interpretando Bela.

Imagem dos personagens do filme A Bela e a Fera
de 2017 e 2004
Agora, se eu disser que a história original não tem como lição de moral que devemos amar a aparência interior de vez a exterior, você acreditaria? A versão original narra, dentro de uma história fictícia, como as mulheres idosas eram tratadas pela sociedade, que naquele momento era a realidade da autora.


GABRIELLE-SUZANNE BARBOT DE VILLENEUVE

Nascida em Paris no ano de 1685 que aos 21 anos se casou com o Monsieur Villeneuve, a qual herdou o título de Madame de Villeneuve, porém a vida de casada durou pouco e enviuvou cedo. Tendo que buscar a sua sobrevivência, Madame de Villeneuve mudou-se para a residência do escritor, poeta e dramaturgo Crébillon, a qual os dois mantinham secretamente um relacionamento íntimo, mas para a sociedade ela era somente uma secretária e governanta da casa.

Com 45 anos, pela influência de Crébillon começa a escrever romances, mas é o conto publicado em “La jeune américaine” que fez mais sucesso na época, o qual conta a história de A bela e a Fera.


UMA NOÇÃO DA HISTÓRIA ORIGINAL (1740)

Como o livro original não possui tradução para o português, todo o conteúdo abaixo é um compilado de diversas resenhas do livro.

A história se baseia na vida de uma fada idosa. No mundo das fadas, quanto mais velhas for uma pessoa mais respeitável elas se tornam, porém uma fada na sua idade madura (nem tão idosa, nem tão nova) se apaixona por um rei e através do amor deles nasceu uma pequena menina. Esta é punida do mundo das fadas e deixam-na para ser criada por um comerciante, em um pequeno vilarejo da frança, a menina cresce com uma beleza inigualável fazendo que todos a apelidaram de Bela (Belle em francês).

Neste mesmo tempo, uma jovem rainha cria o seu mais lindo príncipe com todo o conforto que o palácio pode oferecer, porém a rainha o abandona e o deixa para as fadas cuidarem. Quando o príncipe esta perto de completar seus dezessete anos, a fada que ficou encarregada de cuidar dele se afasta um por um tempo, e ao retornar algo incomum acontece, pois todo o sentimento maternal e de proteção que a fada possuía pelo príncipe se transforma em desejo carnal. A rainha intervém aos planos da fada de conquistar o príncipe e não o concede a fada o seu amado filho, por causa da idade que dela.

Ilustração do livro original de A Bela e a Fera
Furiosa, a fada lança uma maldição em cima do rapaz que o tornaria feio e repugnante, mas somente quando uma mulher aceitasse dormir com ele, por livre escolha, a maldição seria quebrada.

Com o passar do tempo o príncipe vira uma Fera rude e mal educada, até que um dia o pai de Bela acabada encontrando o seu castelo, após enfrentar uma terrível tempestade. A Fera permite que ele passe a noite em seu castelo, mas ao amanhecer ele precisará ir embora.

Assim que o sol nasceu, o pai de Bela vai até o estábulo pegar o seu cavalo e ao sair do palácio encontra uma linda roseira e apanha uma para levar a sua filha Bela. Assim que ele arranca a rosa do pé, a Fera surge da mata enfurecida pelo tamanho desrespeito e como punição decide que o pai de Bela deve morrer pelo seu ato. A sua decisão só muda quando o comerciante comenta que a flor era para sua filha mais nova.

A Fera propõe um acordo com o comerciante, que ele teria um mês para voltar e cumprir a sua punição, ou enviar a sua filha no seu lugar para que ela morresse no lugar dele. Ao chegar em casa, o comerciante, conta a família o ocorrido e todos os seus sete filhos e seis filhas ficam horrorizadas com o que acabará de acontecer.

Bela não aceitou que o seu pai morresse por causa de seu pedido e decide fugir para o castelo e tomar o lugar de seu pai. Ao chegar lá, a Fera pergunta se ela veio por livre escolha e confirmando que sim, Bela é aceita pela Fera. Mas, para Bela ficar no seu lugar ela teria que encontrar a Fera todas as noites, no mesmo horário, precisará ficar esperando a fera para jantarem juntos.

Ilustração do livro original de A Bela e Fera
Com o tempo, Bela vai perdendo o medo da fera e ele percebendo pergunta se ela deseja dormir com ele. Assustada, o responde que não. A Fera saí do cômodo enfurecida, mas na mesma noite Bela passa a ter sonhos pecaminosos com um lindo príncipe, o qual não deseja mais acordar. No próximo dia à noite, a fera a encontra novamente e faz a mesma pergunta: Bela quer dormir comigo? Ela novamente o responde que não.

Depois de alguns dias, Bela vai se apaixonando pela Fera e aceita dormir com ele. Após uma noite de amor inesquecível a Fera, após o ato, se transforma em um lindo homem.

A rainha vendo que o seu filho voltou a ser humano passa a não aprovar a relação entre ele e a Bela, por ela ser filha de um comerciante. Com isso, a fada velha revela o parentesco de Bela para a rainha, que é fruto de uma noite de amor da fada com rei da Índia, que ela após o seu nascimento foi expulsa do mundo das fadas. Depois de ter explicado que Bela também vem de uma boa linhagem, a rainha passa a aprovar o casamento dos dois.

No fim da história a fada ainda sofre algumas perdas, porém o motivo não foi revelado.

Vamos abrir um parêntese para fazer um comentário. Vou deixar abaixo dois trailers de duas versões bem diferentes de A Bela e a Fera, uma delas é a versão Disney em que romantizou para os dias atuais a história que Madame Leprince de Beaumont escreveu. Já a segunda versão é baseada na história original de Madame de Villeneuve, porém como foi feita em 2014, possui censura, mas o roteiro se aproxima bastante da história original.

TRAILER DA BELA E A FERA (2017)
Versão Disney


TRAILER DA BELA E A FERA (2014)
Versão inspirada na história original de Madame Leprince de Beaumont.


Publicitária apaixonada por filmes e seriados. Amante de livros e adoradora de viagens.


27 maio, 2019

A História Original de ALADIM E A LÂMPADA MARAVILHOSA


Assim como aconteceu com várias fábulas antigas, que através dos séculos vieram sofrendo modificações e ganhando novas versões, também com a famosa história de Aladim não foi diferente.

Aqui trazemos o excepcional trabalho de pesquisa e análise feito pela extraordinária filosofa Lúcia Helena Galvão, da sociedade Nova Acrópole, que foi realmente fundo e agora nos brinda com este maravilhoso estudo, que só enriquece a bela história de Aladim e - ainda mais! - nos presenteia com este engrandecimento do espírito.

Vamos ao vídeo!


21 fevereiro, 2019

O Início do Despertar

Andava entre as sombras das folhas e das inúmeras dores do caminho, muitas vezes indiferente ao que se passava ao seu redor, porquanto estava fixado em seu objetivo. Mas a insistência do tempo trouxe a insegurança, o sutil esmorecimento de sua concentração, e seu olhar abriu-se para o mundo que o rodeava ao longo do caminho.

A óbvia e constante manifestação da natureza em flores, ervas e insetos falou-lhe em primeiro plano, seguida da humanidade despertante em seu coração, diante da presença, cada vez mais notada, de seus pares em sua vidas particulares; mesclas aparentemente descompensadas de sofrimento e alegria, que o deixou confuso e respeito de si próprio, pois inevitavelmente espelhara-se e vira-se em situação semelhante.

Este foi o princípio do despertar da sabedoria e a evidência da gestação do sábio que viria a nascer muito em breve; não sem as naturais dores do parto.


19 julho, 2018

O VULTO


- Há um lapso de tempo. - Foi esta a conclusão que cheguei, depois de tanto tempo observando cuidadosamente a esquina da rua. Por sempre ter sido uma rua deserta, longe de tudo, jamais despertaria a atenção de qualquer curioso que, por acaso, passasse por ali e prestasse um pouco mais de atenção.

A questão é que o lapso temporal só pode ser percebido, se alguém se predispor a ficar observando a distorção de realidade resultante da discrepância de frequência. Por sorte ou azar, eu fui esta pessoa. O que mais tenho é tempo, desde que fui atingido por uma bala perdida. O resultado do acidente, uma certa dificuldade para andar, o que me rendeu a bela aposentadoria da aeronáutica. Aposentadoria de tenente. Não é lá grandes coisa, mas é uma aposentadoria muito melhor do que muito civil por aí.

Comecei a perceber que algo estava errado, quando comecei a ver certas repetições de fatos. A princípio, pensei se tratarem apenas de deja-vu ocasional, como é bem normal acontecer com todo mundo. Mas é bem aí, que a porca torce o rabo, pois a coisa toda começou a acontecer repetidas vezes e sempre no mesmo local. Então resolvi investigar, o que acabou me levando a situação em que me encontro agora. Mas não quero me adiantar, para que as coisas façam mais sentido e eu possa, enfim, justificar os fatos.

A anomalia ficou mais clara, quando resolvi montar minha velha câmera na varanda e deixá-la filmando o tempo que desse. Confesso que tinha esperança de ver alguma coisa que olhos geralmente não veem, mas realmente me surpreendi om o resultado.

Quando fui assistir a gravação, percebi que a anomalia realmente distorcia a realidade e pude ver vultos saindo do que parecia ser exatamente o outro lado do poste de energia. Os vultos, que, diga-se de passagem, tinham a forma humana, simplesmente saiam de trás do poste, sem que o tivessem cruzado do lado contrário, exatamente como se o poste estivesse colado a um muro e não pudéssemos ver o lado direito, apenas o lado esquerdo. No entanto, não havia muro algum, pois o poste estava no meio-fio, bem na esquina da rua. Foi quando me dei conta, de que poderia estar presenciando um portal de algum tipo, vindo de não sei onde, para nossa realidade. Por isso havia um lapso temporal, que causava o tal deja-vu, que falei a pouco.

É, eu sei. Parece coisa de maluco mesmo. Eu também pensei que não estava regulando bem, mas estava ali, gravado pela câmera! Não era coisa da cabeça de um inválido desocupado, que fica imaginando coisas. Estava lá, gravado.

No início tive medo de fazer qualquer coisa a respeito, mas eu já tinha ido longe demais e, agora, minha herança militar me impulsionava a desvendar o caso; a saber que diabos era aquilo. Fiquei alguns dias pensando o que fazer e cheguei à conclusão de que não havia outro jeito, a não ser ir direto ao ponto da anomalia e tentar analisar a questão de perto.

Logo na primeira noite, para meu espanto, pude perceber de dois metros de distância, aquilo que a câmera havia gravado. No entanto, eles - os vultos - pareciam não se darem conta de minha presença. Eles surgiam do nada e, à passagem de cada um, a realidade distorcia, como a superfície de um lago em que se joga uma pedra. Foi quando resolvi tocar o local, onde estava o suposto portal interdimensional - assim passei a chamar a anomalia. Foi uma péssima ideia, pois quando estiquei o braço para toda o espaço que parecia um vazio no ar, um dos vultos atravessou de lá pra cá, percebendo-me. Ele parou diante de mim, em sua natureza disforme, como uma névoa ao vento e pareceu analisar-me. E, de repente, sem que eu esperasse, num movimento rápido, acertou-me no peito, jogando-me à três metros de distância. Embora eu estivesse tonto com o ataque inesperado, percebi que ele vinha em minha direção. Então, saquei minha pistola e disparei três tiros em sua direção. Ele imediatamente desapareceu no ar. Ainda nervoso com aquele embate sobrenatural foi quando me dei conta de que alguém estava caído ao solo, exatamente após o local onde estava o vulto. Foi exatamente assim que tudo aconteceu. Foi um acidente. Eu não imaginei que aconteceria isso. Nunca ninguém passa por ali. como eu iria imaginar que...

- Confesso que estou surpreso. Não imaginei que o senhor iria tão longe. Mas é de se admirar sua capacidade criativa. Até quando o senhor vai insistir nessa versão estapafúrdia?

- Mas estou sendo sincero! Poderia inventar qualquer coisa, mas optei por dizer a verdade.

- Sim. O senhor disse a verdade. Mas a verdade de uma pessoa normal é diferente da verdade de um  esquizofrênico. Desculpe, senhor Garcia. Mas devo continuar prescrevendo os mesmos remédios, definitivamente aumentando as doses, até que haja uma regressão de sua patologia e possamos acessar a realidade que o senhor parece ignorar.

- Eu não sou louco! Parem de me tratar como um doente! Eu sou um tenente reformado de Aeronáutica! Vocês tem que me respeitar.

- Podem levá-lo. Assim que ele for colocado na cela, administrem os remédios prescritos e aumentem em dois ml cada um.

- Não! Você tem que me escutar! Há um portal! Eles estão vindo pra cá a todo momento! Há uma conspiração em andamento...

Os enfermeiros levaram o sr. Garcia, fechando a porta atrás deles. O psiquiatra levantou-se de sua cadeira, foi até a janela e deu uma tragada em seu cigarro. No céu lá fora, as nuvens se aglomeravam prenunciando uma tempestade que logo cairia.

O psiquiatra deu mais uma tragada no cigarro e reparou em seu reflexo no vidro da janela. Percebeu que sua máscara estava torta e, por um pequeno buraco no pescoço, uma pequena sombra agitada se mostrava, como um vulto por trás de sua pele. Prontamente repuxou o tecido tapando o buraco. Novamente sua pele estava perfeita. Inspirou com vontade, apagou o cigarro no cinzeiro e saiu da sala.

23 dezembro, 2017

A Verdadeira BRANCA DE NEVE


O conto de fadas A Branca de Neve e os Sete Anões, dos Irmãos Grimm, já deu asas à imaginação de várias gerações. Mas fatos sugerem que a heroína das crianças tenha sido mais do que uma simples personagem fictícia.

Milhões de pessoas conhecem o conto de fadas da Branca de Neve, a bela princesa que escapa de sua madrasta invejosa e vai viver na casa de sete anões. Na história escrita pelos alemães irmãos Grimm em 1812, a madrasta má tenta matá-la depois de seu espelho mágico lhe dizer que Branca de Neve é "a mais bela de todas".

Moradores da cidade alemã de Lohr am Main, próxima a Frankfurt, gostam de acreditar que o espelho mágico realmente existe. Na verdade, ele está na cidade, exposto no Museu Spessart. Isso é porque, de acordo com algumas fontes, a menina que inspirou o conto de fadas, de fato viveu em Lohr am Main.

Entretanto, a verdadeira Branca de Neve, Maria Sophia Margaretha Catharina von Erthal, era um pouco diferente da princesa da história. Ela era de origem nobre e nasceu no ano de 1729 no castelo de Lohr, que hoje abriga o Museu Spessart. Ela também tinha uma madrasta dominadora: Claudia Elisabeth Maria von Venningen.


Eckhard Sander e suas pesquisas

Segundo o pesquisador e estudioso alemão Eckhard Sander, que escreveu um livro, fruto de suas pesquisas, intitulado 'Branca de Neve: É Um Conto de Fadas?', lançado em 1994.

O livro de Eckhard Sander
Margaretha de Waldeck, nasceu em 1533, filha do Conde alemão Philip IV, da casa real de Waldeck-Wildungen. Em 1546, aos 16 anos de idade, Margarete foi obrigada por sua madrasta, Katharina de Hatzfeld – com quem não tinha um bom relacionamento -, à mudar-se para Bruxelas. Na Corte de Bruxelas, ela chamaria à atenção de ninguém menos que o príncipe Filipe (futuro Filipe II da Espanha), apaixonado-se e tornando-se sua amante, para desgosto de sua madrasta, que intrometia-se sempre na vida de sua enteada.

No entanto, a ideia de que a jovem pudesse tornar-se uma princesa, foi insuportável para o pai de Filipe, Carlos V, que via na união de seu herdeiro com a jovem, um matrimônio politicamente desvantajoso. Sander escreveu que von Waldeck morreu aos 21 anos de idade, em 1554, envenenada por autoridades espanholas às ordens do pai de seu amado.

De acordo com sua pesquisa, o método de utilizar veneno, foi escolhido para afastar a suspeita de um assassinato, justificado então, por uma doença degenerativa. Sander também citou evidências para sua alegação, como o testamento que a jovem escrevera pouco antes de morrer, com uma caligrafia frenética e torta, mostrando os típicos sintomas de uma vítima de avançado estágio de envenenamento.

Embora não possamos afirmar se von Waldeck fora de fato morta por veneno, uma coisa é certa, contrariando a história tradicional, a jovem não fora assassinada por sua madrasta, que já havia falecido antes de sua morte. Mesmo não sendo exatamente igual ao conto de Branca de Neve, a história traça bastante paralelos em comum. Margarete era uma bela jovem alemã, atormentada por sua madrasta malvada, que apaixona-se por um príncipe e é envenenada. Sander apontou outras similaridades entre a Branca de Neve fictícia e von Waldeck, sendo uma delas, a maçã envenenada.

Ele acredita que a maçã fora acrescentada à história de von Waldeck, após um acontecimento histórico na Alemanha, onde um homem foi preso após dar à crianças que ele acreditava que o haviam roubado, maçãs envenenadas para que pagassem por seus crimes. Ele também apontou que, assim como no conto dos Grimm, Margarete possuía os cabelos louros. Outro ponto interessante, é que a jovem cresceu na região de Bad Wildungen em Hesse, Alemanha, onde crianças que trabalhavam em condições precárias em uma mina de extração de cobre, eram referidas como ”anões”.

Os passos da princesa 

Os detalhes da história também podem ser acompanhados no museu, incluindo a trama de assassinato e a fuga de Branca de Neve pelas montanhas até chegar à casa dos sete anões. Na verdade, os anões eram provavelmente crianças que eram usadas como trabalhadores, como citamos acima.

Acredita-se que a rota de fuga da Branca de Neve tenha sido de 35 quilômetros por meio da cadeia de montanhas de Spessart, uma das maiores áreas de floresta decídua da Alemanha. Sinais ao longo da rota dão aos visitantes a chance de aprender mais sobre a ligação das florestas com os contos de fadas.

O posto de informações turísticas em Lohr am Main oferece programas especiais de caminhadas. Também fornece informações sobre atrações locais, como a cidade velha, com suas casas em estilo enxaimel, o histórico bairro dos pescadores e a antiga câmara municipal.

É claro que a atração imperdível da cidade é o castelo de Lohr e o Museu Spessart, que abriga uma coleção de espelhos fabricados na região. 


22 setembro, 2017

A Verdadeira História de CHAPEUZINHO VERMELHO

Contos de Fada fazem a alegria de crianças em todo mundo, abrindo as portas para reinos de imaginação e de sonhos, onde tudo é possível. Mas nem sempre foi assim.


As primeiras versões de algumas das mais conhecidas fábulas infantis não tinham nada de encantadoras ou alegres, muito pelo contrário, elas eram horrendas, violentas e grotescas. Serviam acima de tudo como parábolas sobre moralidade e comportamento. Nelas as crianças que não agiam conforme o esperado, sofriam, eram repreendidas ou simplesmente morriam de forma aterrorizante deixando uma lição de moral.

Um dos contos de Fadas mais famosos de todos os tempos, "Chapeuzinho Vermelho" pode parecer inocente para a maioria, mas quando a fábula surgiu, ela era muito diferente. Haviam conotações ocultas que tornavam a história da menina que leva doces para sua avozinha algo bastante sinistro. 

A origem de "Chapeuzinho Vermelho" (Little Red Riding Hood) pode ser traçada até muito antes do século XVII, quando surgiu sua primeira versão escrita. Antes ela já figurava no folclore e tradições orais de vários países da Europa. Algumas destas versões eram bastante diferentes, embora diversos elementos fossem comuns e pudessem ser reconhecidos. A fábula era contada por camponeses franceses no século XI, documentada pelo historiador Egbert de Liege em 1550. Na Itália, ela era popular entre camponeses desde o século XIV, sendo que existiam várias versões, incluindo "La finta nonna" (A Falsa Vovozinha) uma das mais difundidas. Chapeuzinho foi reescrita várias vezes, inclusive por Ítalo Calvino que a acrescentou em seu compêndio de folclore. Versões da mesma fábula também podiam ser encontradas na Suécia, Noruega, Alemanha, Países Baixos e Espanha.

Essas primeiras variações da fábula se diferem das versões atuais em vários aspectos. O antagonista principal nem sempre é o "Lobo Mau", o monstro algumas vezes é retratado como um ogro, vampiro ou troll. Em algumas versões, a criatura é um lobisomem, o que tornou a história extremamente relevante nos julgamentos de criminosos suspeitos de licantropia durante a Idade Média. O famoso Julgamento de Peter Stumpp, na Alemanha, se valeu da fábula para enquadrar o acusado.

[Sobre esse caso chocante, leia AQUI]


A história em algumas versões era realmente bizarra.

O lobo deixava o corpo da velhinha para a criança se alimentar, dizendo que se tratava de carne de cordeiro. Faminta pela sua jornada, a criança comia avidamente e canibalizava a própria avó. Em outra versão, o lobo confronta a velha e a obriga a remover suas roupas ou jogá-las na lareira. A velha fica aterrorizada por ser forçada a se desnudar diante da fera, mas o lobo diz: "Não se preocupe, não é essa a fome que eu pretendo saciar!". Finalmente quando a mulher está despida, ele a devora. Em uma versão especialmente aterrorizante, a história termina quando a menina deita com o lobo na cama e este a mata. Numa outra, chapeuzinho percebe o disfarce do lobo que assumiu a identidade da avó, e se desculpa, retornando para a floresta, alegando que havia esquecido a cesta que carregava. O lobo no entanto, amarra um barbante no pé da criança e a persegue pela floresta em uma caçada implacável. Em boa parte das histórias não existe sequer a figura do caçador. A menina fica por conta própria, precisando enfrentar o medo e a ameaça do lobo recorrendo apenas a sua inteligência. Na Espanha, a menina dá lugar a uma adolescente que tenta escapar de investidas claramente sexuais por parte do lobo. Na Polônia, a menina dá lugar a um rapaz. O capuz vermelho está quase sempre presente, mas em algumas versões a protagonista usa uma capa feita de folhas verdes.  

Em uma versão francesa, Chapeuzinho escapa graças à ajuda de uma lavadeira que aconselha a menina a pular em um rio e se manter debaixo d'água. Quando o capuz vem à tona, o lobo acha que a criança se afogou e vai embora. Na Ucrânia, o lobo é empurrado no fogo pelo espírito da avó que ressurge como um fantasma para salvar a menina no último momento. No final dessa história, a menina é severamente repreendida pelo fantasma da avó que culpa a neta por ter sido tola e ter causado sua morte. A menina adota a identidade da avó e passa a morar na casa que pertenceu a esta como compensação.

Especialistas em folclore conduziram uma pesquisa em 2009 na qual identificaram 58 versões diferentes de Chapeuzinho Vermelho.


A versão impressa mais antiga tem o título "Le Petit Chaperon Rouge" e teve sua origem em meados de 1670. Ela fazia parte de uma coleção de fábulas a respeito de moral e comportamento infantil. Nessa versão Chapeuzinho Vermelho pegava um atalho apesar da mãe alertá-la para nunca fazê-lo. Por conta disso, o lobo encontrava a menina e matava sua avó. O conto deixava implícito que a culpa pela tragédia era unica e exclusivamente da criança que não obedecia as instruções da mãe.

Em 1697, Charles Perrault escreveu uma das versões mais conhecidas da fábula que foi responsável por popularizá-la em toda Europa. Esta é possivelmente uma das versões mais violentas e sinistras de Chapeuzinho Vermelho. A menina conforme a descrição de Perrault é "atraente e bem criada", quase uma adolescente, nascida em uma aldeia no interior da França. Na história, o lobo engana a menina e a convence a revelar a localização da casa de sua avó. O lobo age de forma simpática, engana e seduz sem jamais parecer malvado. A seguir, ele corre até a casa, evitando um grupo de lenhadores que haviam advertido a menina do perigo de falar com estranhos. Chegando na casa, o lobo devora a velha de maneira sangrenta. "As mordidas arrancam pedaços e dilaceram seu corpo".

Ele então veste os trajes da avó e prepara sua armadilha. A menina chega e embora desconfie de que algo está errado, acaba cedendo ao pedido do lobo disfarçado para que suba na cama. O lobo então a ataca com a mesma violência e a devora viva. A história se encerra dessa maneira, com o lobo emergindo como o vencedor e todas as demais personagens caindo como vítimas. 

Não existe final feliz, Perrault explica a moral da história no último parágrafo para que não reste nenhuma dúvida de seu significado:

"Com essa fábula aprendemos que crianças, especialmente moças jovens, bonitas e bem nascidas, correm perigo ao falar com estranhos. Lobos, afinal de contas, podem espreitar em qualquer estrada. Nós dizemos "lobos", mas nem todos lobos são iguais, alguns são simpáticos e agradáveis - não são selvagens ou furiosos, mas domados. Eles seguem as jovens pelas estradas e ruas, se preciso, até suas casas. Por sinal, é bom saber que esses lobos gentis e simpáticos, são de longe os mais perigosos!".  

Esta versão presumivelmente a original da fábula escrita na França se tornou popular na corte do Rei Louis XIV. O Rei costumava entreter seus convidados em festas extravagantes e estes sem dúvida conseguiam entender perfeitamente o sentido da história. O termo "lobo" começou então a ser associado a homens interessados em assediar e perseguir moças mais jovens.

No século XIX os irmãos Jacob  e Wilhelm Grimm - conhecidos como Irmãos Grimm, adaptaram a história e introduziram elementos inovadores na trama. A primeira parte da trama adaptada é bastante semelhante a história de Perrault, entretanto eles modificaram o final: a menina mata o lobo depois de reconhecer se tratar de uma fera disfarçada. Ela consegue empurrar o lobo na direção de uma lareira acesa e este morre queimado. A avó, no entanto, não sobrevive.

Em uma segunda revisão, os irmãos escreveram nova mudança, a menina e a avó são devoradas pelo lobo, mas na última hora um caçador atrás da pele da fera o mata. Ao abrir a barriga do lobo encontra avó e neta em seu interior ainda vivas. A lição de moral é transmitida, mas sem o trauma da morte ou tragédia.

Em 1857, Chapeuzinho Vermelho já havia se tornado a história de maior sucesso dos Irmãos Grimm e eles decidiram fazer uma terceira versão que amenizava ainda mais o final. Nela, incluíram a menina reconhecendo o disfarce do lobo e fugindo sem ser devorada. Ela corre para o caçador e este mata a fera e remove a avó de sua barriga. Essa talvez seja a versão mais próxima da história que ouvimos quando criança. Nela, ninguém morre, a não ser o "pobre" lobo mau. É curioso que os Irmãos Grimm, conhecidos por escrever histórias de conteúdo macabro tenham decidido atenuar justamente essa narrativa e adotar um final feliz.

Além do alerta contra falar com estranhos e trilhar caminhos desconhecidos, a fábula de Chapeuzinho Vermelho sempre esteve aberta a interpretações de caráter sexual. A história pode ser encarada como uma alegoria a respeito do ritual de passagem da infância para a puberdade. A menina deixa de ser criança e transforma-se em adulta no momento em que sai da barriga do lobo. O capuz usado por ela, vermelho, claramente alude à primeira menstruação. Sigmund Freud também usou o conto como uma alegoria de amadurecimento e renascimento.

É curioso que a origem de alguns dos mais famosos contos de fada encontre-se ligada muito mais ao horror do que a fantasia. Estas pequenas histórias não surgiram como uma forma inocente de entretenimento infantil, mas como chocantes revelações visando ensinar aos pequenos como o mundo real poderia ser assustador e perigoso. 

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Para quem achou interessante, indico o filme "A Companhia dos Lobos" (The Company of Wolves/ 1984) que reconta de uma maneira aterrorizante a fábula de Chapeuzinho Vermelho e que me assustava terrivelmente quando eu era criança.

As cenas da transformação e do lobo emergindo de baixo da pele de uma pessoa, com o focinho brotando de dentro da boca sempre me causaram pesadelos. Hoje em dia, o estilo chocante e a aura quase barroca do filme perderam um pouco seu poder de sugestão - é difícil assustar nos dias atuais, mas quando assisti esse filme (ainda criança) fiquei positivamente apavorado. 

Desde então, jamais encarei Chapeuzinho Vermelho como uma história de ninar. A não ser para quem quer ter pesadelos depois de ouvi-la.

Aqui está o trailer de Companhia dos Lobos: